Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de fevereiro de 2010

Percy Jackson e o Ladrão de Raios

O nome Chris Columbus já prenunciava uma direção ruim, mas o filme não parou por aí! O roteiro deficiente e uma parte técnica alarmante fazem do longa uma nascente franquia de qualidade duvidosa.

Percy Jackson e o Ladrão de RaiosA escolha de Chris Columbus para dirigir a mais nova investida da 20th Century Fox, “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”, trouxe consigo uma série de desconfianças negativas. Motivos para isso não faltavam. Basta dar uma breve conferida no histórico do diretor para que essa conclusão seja tirada. Columbus tornou-se conhecido pelo mundo cinematográfico em 1990 com o fenômeno “Esqueceram de Mim”, filme eficiente, mas que se sustenta graças a um roteiro esperto e um protagonista extremamente carismático. A partir de então, ele conseguiu a atenção dos astros de Hollywood e realizou duas produções medianas com a sua ajuda, a comédia “Nove Meses” e o drama “Lado a Lado”.

Posteriormente, o cineasta tentou ganhar o respeito de um público mais seleto com “Um Homem Bicentenário”, fracassando graças à chatice e lentidão do longa que traz Robin Williams no papel principal. O desafio de uma segunda e mais desafiante franquia então bateu às portas de Chris Columbus. E “Harry Potter e a Pedra Filosofal” e “Harry Potter e a Câmara Secreta” não fizeram feio nas bilheterias. No entanto, também nunca convenceram os críticos. São, definitivamente, os episódios mais fracos da saga do bruxinho de J. K. Rowling. Trocado por Alfonso Cuáron no terceiro filme da série, o diretor tentou gastar o seu escasso talento em um musical, transformando a respeitada peça “Rent” em um show decepcionante.

Quatro anos de abstinência fílmica se seguiram, para que mais um fracasso retumbante se confirmasse com o horroroso “Eu te Amo, Beth Cooper”. Eis, então, que surge a chance de, pelo menos, tentar recuperar um pouco de prestígio financeiro e mostrar que a bilheteria alcançada pelos seus “Harry Potter” tiveram influência direta de seu trabalho a frente dos filmes. Entretanto, em “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”, Chris Columbus confirma apenas que é um diretor medíocre, e que se torna ainda pior quando não conta com um belo roteirista ao seu lado.

O filme é uma adaptação do primeiro de uma série de cinco livros, escritos pelo norte-americano Rick Riordan, chamada “Percy Jackson e os Olimpianos”. Bastante conhecida entre os adolescentes, a obra inicialmente apresenta o jovem Percy Jackson (Logan Lerman) como um garoto comum, que enfrenta sérias dificuldades na escola, devido a dislexia e a dificuldade de concentração que possui. O que Percy não sabe é que ele é filho do relacionamento de sua mãe com Poseidon (Kevin McKidd), tratando-se, portanto, de um semi-deus. A descoberta, porém, não demora a acontecer, e traz consigo uma série de novos desafios para ele.

O universo mitológico lhe é apresentado juntamente com uma séria acusação. Percy teria roubado o poderoso e simbólico raio de Zeus (Sean Bean), irmão de seu pai. Para provar sua inocência, salvar sua mãe e evitar uma guerra entre os deuses, o garoto contará com a ajuda de dois companheiros: o sátiro (meio homem, meio bode) Grover (Brandon T. Jackson) e a guerreira Annabeth (Alexandra Daddario), filha da deusa Athena. Juntos, eles tentarão encontrar o raio e devolvê-lo ao seu dono, mesmo que, para isso, tenham de enfrentar os mais terríveis vilões do mundo.

Chris Columbus comanda “Percy Jackson” com a mesma falta de ritmo que lhe é característica, mas fazendo questão de perder totalmente a inocência e magia que foram sua marca em “Esqueceram de Mim” e até mesmo em “Harry Potter”. A impressão é de estarmos vendo um blockbuster sem o mínimo primor técnico e narrativo, cujas cenas e história passam longe da originalidade, por mais que o plot do longa diga o contrário. Os descuidos são tantos que chega a ser inevitável, eventualmente, algumas risadas vexatórias.

Além de Columbus, quem contribui consideravelmente para esse fracasso é o roteirista Craig Titley, em seu verdadeiro primeiro trabalho na função, depois de ter desempenhado algumas tarefas relacionadas. Para começar, basta dizer que o roteiro de Titley possui um “furo” justamente na ideia em que foi concebido. Percy Jackson nunca tem sua acusação de roubo justificada durante as quase duas horas de duração do longa, por mais que existam vários outros possíveis criminosos próximos ou distantes dele. E não há um personagem sequer que procure levantar os motivos da calúnia contra o pobre rapaz.

Além desse “pequeno” erro, existem outros de enorme escala. O início de trama absolutamente atropelado é outro deles. Logo após uma tomada inspirada, que mostra Percy sentado no fundo de uma piscina, outras desastrosas se seguem. Entre diálogos extremamente simplistas, apresentações rasas de personagens e uma incrível vontade de concluir a introdução do filme para que se tenha início a aventura, “Percy Jackson” logo faz as comparações com “Harry Potter” parecerem exageradas, pelo menos em termos de qualidade.

Craig Titley, que também parece contar com a ajuda de mais um escritor supervalorizado, transforma ainda todas as peripécias pelas quais o trio de guerreiros passará em uma espécie de uma história de vídeo game, com suas inúmeras fases e chefões que aumentam de tamanho à medida que o sucesso acompanha os heróis. Munidos de um mapa, eles passam por cada novo cenário e desafio, enfrentando surpresas desagradáveis, mas sempre com o destino favorável ao seu lado. Que clichê, não?

Outras falhas pontuais que incomodam no filme são: a insensibilidade do protagonista após a morte da mãe (ele não derrama uma lágrima sequer); a introdução de personagens coadjuvantes cujas aparições nunca dizem a que veio; e o desfecho extremamente desempolgante, em um confronto que parece ter sido escrito por uma criança. Se há algo de bom no roteiro, esse é o desenvolvimento adequado da “paixonite” que Percy nutre por Annabeth, além das tentativas de algumas tiradas cômicas, principalmente por Grover.

Em termos de atuações, o filme não faz feio. Logan Lerman faz de Percy Jackson um rapaz cheio de atitude, que sabe o que deve e o que tem que fazer. Esse é o grande diferencial da personalidade do rapaz em relação a Harry Potter, e nesse sentido, Percy e Lerman saem ganhando. Alexandra Daddario não mostra muito além de sua beleza, enquanto que Brandon T. Jackson é responsável pelas maiores risadas do filme.

No elenco coadjuvante, temos grandes nomes de Hollywood. Catherine Keener interpreta a mãe de Percy, mas não tem muito o que fazer com a pobreza de seu personagem. Pierce Brosnan traz a segurança exata que o professor-centauro Brunner precisa demonstrar. Já Steve Coogan e Rosario Dawson, como o maléfico deus Hades e sua assanhada esposa Perséfone, acham o tom certo entre a comédia e o terror. O mesmo não se pode dizer da atuação de Uma Thurman, como Medusa. Exagerada, a atriz confirma sua péssima fase na carreira num papel que traz trejeitos semelhantes ao de Hera Venenosa, em “Batman & Robin”.

Iniciando com dois pés-esquerdos a tentativa de mais uma franquia adolescente, “Percy Jackson e os Ladrão de Raios” não empolga, nem emociona. Por essa tragédia, podem-se nomear diversos culpados, incluindo alguns em sua parte técnica (a trilha sonora e os efeitos especiais são péssimos). Mas os grandes responsáveis pelo fracasso do filme são o roteirista Craig Titley e o diretor Chris Columbus, que contam uma história tão ruim, que decepcionará até o mais fervorosos dos fãs. Se a série continuar, que surja um Alfonso Cuáron!

P.S: O filme possui uma cena adicional durante os créditos finais. Mas só fique se você não tiver absolutamente nada pra fazer depois da sessão.

Darlano Didimo
@rapadura

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