Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 05 de fevereiro de 2010

Guerra ao Terror

Com maestria, a diretora Kathryn Bigelow dirigiu este surpreendente filme que explora a guerra com um olhar contemporâneo e belo.

Como diria o poeta romano Virgílio: “A sorte favorece os audazes”. Este com certeza é o lema do personagem William James, um perito em desarmar bombas que realmente não se intimida com nada nem ninguém. A trama começa com a morte de Matt Thompson, antigo encarregado da delicada tarefa de desarmar as inúmeras bombas no Iraque. Junto a ele estavam seus parceiros de equipe, o Sgt. JT Sanborn e o Especialista Owen Eldridge. A equipe trabalhava em harmonia, mas com a morte do amigo e a chegada de James, eles conheceram um novo significado da palavra adrenalina.

Abordando de forma consciente quase todos os temas que a guerra envolve (psicológicos, sociais e morais), o filme é uma análise profunda do impacto da guerra na vida dos envolvidos. O medo da morte, a falta de sentido da ocupação, a satisfação do dever cumprido, tudo está ali com poucas palavras, uma compreensão que ocorre por osmose. Em uma das melhores cenas, toda a força do longa fica exemplificada. Emboscados por rebeldes, o grupo de soldados passa horas a fio sob o sol do desértico país. Olhando pela mira da arma eles aguardam o momento certo de eliminar seus inimigos que estão a muitos metros de distância. De forma surreal, que realmente é o sentimento sobre esta ocupação, o longa se dá de forma corajosa nesta cena, mostrando ali com pequenas gestos que a união deles é fator determinante para que voltem sãos e salvos, mais salvos do que sãos.

A diretora Kathryn Bigelow, que dirigiu o fraco “K*19: The Widowmaker”, surpreende com a sutileza e a mão firme nesta obra. Ela realizou um filme de arte, por assim dizer, com uma temática um tanto inusitada. Perfeita em suas escolhas, todas as cenas são de uma beleza e destreza excepcionais. Com ótimas escolhas de ângulos, toda cena parece ser a visão de um dos habitantes da região, olhando de dentro de casas, carros e prédios. Com forte tom documental, a câmera sempre em movimento da tenacidade para os momentos exatos, da reflexão ao pânico.

Os personagens são o amálgama de toda uma nação de soldados, e de uma forma livre de estereótipos ela alcança, junto a seus atores, o crível gosto da verdade de todo aquele absurdo. Interpretando Willian James (o maluco que desarma qualquer coisa que exploda), está Jeremy Renner, ator competente, mas de pouca visibilidade. Muito bem no papel, ele faz transparecer tudo aquilo que se espera de um soldado que encara uma bomba sem nenhuma proteção, ou seja, quase nenhuma explicação racional. Casado e com filho, ele tem seu oficio no exercito como única e exclusiva realidade, como se aquilo fosse uma droga da qual ele está viciado. Todo o resto é resto. Compras em supermercados, jantares em família, tudo parece sem sentido. Ele só sabe fazer aquilo e essa é sua maior sentença. Mas indiferente a isso James leva sua vida de forma desapegada, e seu comportamento rebelde o coloca fora dos padrões e critérios rígidos do exercito americano atual. James é Vietnã em época de Iraque.

Na pele do consciente Sargento JT Sanborn temos o excelente Anthony Mackie. Sanborn é o típico soldado que segue a risca todo o formulário de guerra. Rigoroso e correto em seu dia a dia na guerra, o soldado tem sua rotina alterada da água para o vinho com a chegada de James. Mas o que inicialmente era um grande atrito, começa a se tornar uma experiência transformadora para Sanborn, pois ao lado de alguém que se arrisca tão facilmente, filosofias de vida mudam num piscar de olhos.

Fechando o trio principal temos Brian Geraghty interpretando o jovem especialista Owen Eldridge. Com diversos dilemas em sua mente, Eldridge tem medo da morte, e acha que ela (sua morte) será em vão. Acompanhado psicologicamente por um dos doutores do exercito, o soldado tenta se encontrar em meio aquela confusão descabida, buscando também se perdoar por um possível erro na morte de seu primeiro colega, Thompson.

O filme conta ainda com pequenas participações que dão um brilho especial a obra. David Morse interpreta o frio e excêntrico Coronel Reed. Ralph Fienes também aparece excêntrico como o líder de um grupo especial britânico, e Guy Pearce faz o engraçado, e já citado aqui, Matt Thompson. Todos esses atores estão em pequenas cenas, mas que fazem a diferença no resultado final.

Kathryn Bigelow entrega um filme belíssimo, superando diversos diretos consagrados quando o tema é guerra, como por exemplo, citando filmes mais recentes, Ridley Scott com seu superestimado “Falcão Negro em Perigo” ou mesmo Brian de Palma com seu exagerado “Redacted”. A obra chamou atenção por estar entre os escolhidos ao Globo de Ouro, e ser um dos mais para “Melhor Filme” no Oscar. Kathryn Bigelow pode acabar com a festa de James Cameron (que é seu ex-marido) e abocanhar a estatueta de “Melhor Diretor”.

Com uma conclusão arrasadora, o filme nos faz respirar fundo e pensar: “Tem maluco para tudo nesse mundo”. Uma boa pedida.

Ronaldo D`Arcadia
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