Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Amor sem Escalas

Jason Reitman aborda as relações humanas de forma criativa.

Desde sua estreia no cinema, com o ácido e excelente “Obrigado por Fumar”, Jason Reitman já mostrou que estava vindo para botar para quebrar. E foi o que aconteceu logo em seguida com o sucesso massivo (e merecido) de “Juno”, outro filme que trazia sarcasmo e aquele tom imaturo do politicamente incorreto para as telas.

Já  em “Amor sem Escalas” (nome extremamente genérico no Brasil, como sempre), Reitman muda drasticamente sua forma de se fazer filmes e parte para algo mais moderado e analítico. Claramente que seu humor mais apimentado está ali, mas em doses muito menores.

O filme explora as relações humanas por meio do olhar de Ryan Bingham (George Clooney), um funcionário dedicado que trabalha viajando por diversos lugares demitindo pessoas. Ele é contratado quando os chefes covardes não têm coragem de dar à infeliz notícia para vinte ou trinta funcionários de uma vez e, com a crise americana, o mercado destes serviços estava inflamado.

Além de seu trabalho aparentemente sórdido, Bingham dá palestras motivacionais, usando como analogia uma mala. Se quiser se dar bem na vida, tem de deixar a mala leve, ou seja, sem moradia fixa, sem amigos, sem família, pois afinal tudo isso nos prende em compromissos e obrigações, e é o movimento leve que nos dá liberdade.

Toda essa filosofia um tanto quanto superestimada começa a cair por terra quando aparece Natalie Keener (Anna Kendrick), uma jovem inocente, mas muito inteligente, que propõe para o chefe de Bingham uma mudança drástica na metodologia de se despedir pessoas: fazer via internet. A história muda de figura, pois esse seria o fim da carreira do voador inveterado, seria o fim do tão precioso movimento.

As viagens, o tratamento formal e educado das aeromoças, a fidelidade dele com a empresa aérea eram tudo para Bingham, que paralelamente a isso simplesmente esquecia sua família e de sua vida na terra por assim dizer. Suas contradições então se completam quando ele se apaixona por Alex Goran (Vera Farmiga) e assim as lacunas de sua filosofia começam a aparecer.

Em termos de roteiro, o filme traz momentos inspiradores. Todas as concepções de relacionamento são sempre abordadas por diferentes prismas, tudo à base de conversas francas, engraçadas e algumas muito tristes. Nos depoimentos das pessoas que acabam de ser demitidas, esse caminho ganha muita força.  J.K. Simmons, que já trabalhou com Reitman em seus dois filmes anteriores, tem uma das cenas mais emocionantes do filme interpretando o recém “desligado da empresa” Bob. Com ele, os temas família, realização profissional, força para enfrentar adversidades se aprofundam de forma surpreendente, nos mostrando que o personagem de Clooney não é um charlatão, e que aquilo é bem mais humano do que uma maquina realizar a tarefa.

O longa traz uma ótima construção de personagens e cenas. O único problema é que, apesar de todo requinte nos diálogos, o desfecho acabou se tornando uma tarefa difícil para o diretor, colocando assim toda história em risco. Certas atitudes de Bingham, por exemplo, acabam sendo incompatíveis com a inteligência desse personagem, pois, por mais confuso ou anestesiado que ele estivesse, as situações eram simplesmente óbvias, só ele não viu que seriam.

No cargo de diretor, Reitman é fantástico. Logo na cena de abertura já vemos que a criatividade flui fortemente de suas mãos. Ele junta como peças de quebra cabeça diversas cenas aéreas de localidades do globo, as misturando, recortando e emendando umas nas outras. Tudo acompanhado por uma trilha sonora “sessentista” impecável.

O time de atores teve seu melhor explorado, já que cada personagem parecia feito para seu ator. George Clooney está perfeito como Ryan Bingham e isso vem de sua humildade com o papel. Aparentemente cansado do personagem que sabe tudo e não erra nunca (como em  “Onze Homens e um Segredo”), Clooney coloca toda sua sabedoria e canastrice sedutora em um homem cheio de falhas, e esse é seu maior trunfo.

Vera Farmiga surpreende com sua ousada Alex Goran. A atriz, que chamou a atenção em “Os Infiltrados”, de Martim Scorsese, aparece despida (literalmente) de vaidades e pudores com essa personagem que parece trilhar um caminho de vida sem preocupações e apegos, como Bingham. Os pombinhos são feitos um para o outro, ou nem tanto talvez.

Interpretando Natalie Kenner, a garota fantasiosa e realmente despreparada para vida, temos a jovem atriz Anna Kendrick. Anna, que participa da série de filmes “Crépusculo”, desenvolve bem seu trabalho com a personagem. Com um bom tom para o humor, ela faz rir sem muita dificuldade, variando entre o melodrama juvenil e a falta de noção da típica jovem americana que nem imagina o que seja a vida de verdade. Mas com certeza o mais engraçado é vê-la a todo o momento chamando Clooney de velho.

No time de coadjuvantes temos o já citado J.K. Simmons como o desempregado Bob. Também como desempregado está o hilário Zach Galifianakis (o barbudo do ótimo “Se Beber, Não Case” ). Interpretando o patrão sem coração de Clooney está o excelente Jason Bateman, que repete a parceria com Reitman depois de “Juno”. E ainda rápidas participações do cowboy Sam Elliott, como um piloto de avião bigodudo, e do maluco Danny McBride, noivo indeciso da irmã de Bingham.

“Amor sem Escalas” traz uma análise profunda dos medos envolvendo relacionamentos em geral. Esse medo envolve tanto a angústia de estar preso a algo que não funciona bem, como também o medo de estar sozinho, e tentando evitar um se encontra o outro, e vice versa.

Talvez o tema não atinja o público do Brasil em cheio e um dos motivos pode ser a arrasadora diferença de culturas entre brasileiros e americanos quando o tema envolve família e trabalho. Mas sendo imparciais a isso, podemos concluir que o diretor Jason Reitman não superou seus trabalhos anteriores, mas realizou um filme muito interessante de se assistir.

Ronaldo D`Arcadia
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