Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 02 de janeiro de 2010

Lula, o Filho do Brasil

Mostrando uma dramatização da trajetória de vida do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o longa acaba exagerando no melodrama e é um trabalho apenas regular sobre uma inspiradora trajetória de superação.

Cinebiografias já são algo complicado de se fazer sem a glorificação exarcebada do biografado quando este já deixou esse mundo, imaginem quando o objeto do filme não só está vivo, mas é o Presidente da República do país onde o longa é realizado, como é o caso deste “Lula, O Filho do Brasil”.

Deixo claro que, com algumas exceções, este filão cinematográfico raramente me agrada justamente por conta do quase messianismo encarnado nos protagonistas desse tipo de produção. Dito isso, a produção aqui em análise até que se esquiva disso, mas o peso de retratar a história do nosso Chefe de Estado presente parece ter sido um pouco demais em determinados momentos.

Os realizadores tinham em mãos um arco narrativo de fazer muitos roteiristas de Hollywood corarem; material rico e repleto de viradas e esperança. Mas o roteiro de Fernando Bonassi, Daniel Tendler e Denise Paraná, baseado na biografia escrita por essa última, acaba deixando muita coisa de fora e, combinado com a direção pesada de Fábio Barreto, leva o filme muito para o melodrama.

O longa começa em 1945, com o nascimento de Luiz Inácio da Silva em um pobre casebre no interior de Pernambuco. Após uma infância em meio à pobreza, ele e sua família acabam indo para São Paulo, onde são recebidos com nenhum carinho pelo pai do protagonista, o bêbado Aristides (Milhem Cortaz). Após abandonarem o pai, Luiz e seus irmãos são criados com muito sacrifício apenas por sua mãe, a valente dona Lindu (Glória Pires), figura central na vida do futuro político.

O tempo passa e o menino se transformou no rapaz Lula, que estuda para se tornar um metalúrgico e acaba, meio que sem querer, se envolvendo com o movimento sindicalista, enfrentando a opressão da Ditadura Militar para dar melhores condições de vida aos companheiros. No meio de tudo isso, Lula enfrenta a tragédia que assolou o seu primeiro casamento com Lurdes (Cléo Pires) e encontra alento nos braços de Marisa Letícia (Juliana Baroni).

A despeito da própria trajetória de Lula já ser uma vitória sobre si, os realizadores resolveram dar um ar de “novela das oito” para o projeto, sempre carregando demais na emoção, fazendo com que alguns momentos, que deviam ser fortes por si mesmos, soassem estranhamente exagerados. Como exemplos, cito as sequências de embriaguez de Aristides (com closes horrendos na boca de Milhem Cortaz), o acidente sofrido pelo protagonista junto ao torno mecânico ou a trágica notícia recebida por Luís Inácio no hospital. Nessas cenas, o melodrama simplesmente impera, sem espaço para emoções verdadeiras.

Há ainda outro detalhe sobre a interpretação de Rui Ricardo Dias no papel do Lula adulto. Por várias vezes, o sotaque e a dicção característicos do personagem simplesmente não existem, quase lembrando ao espectador que ele está vendo uma reencenação de algo, quebrando a imersão do público. O ator se sai bem no papel, mas boas cinebiografias exigem mais do que simplesmente interpretações razoáveis, mas verdadeiras encarnações cênicas das figuras mostradas, vide Jamie Foxx em “Ray” ou Marion Cotillard em “Piaf – Um Hino ao Amor”.

Não é só um evento histórico que está sendo retratado pelo filme, mas uma figura histórica cuja trajetória está sendo esmiuçada e parece que Dias simplesmente não se deu conta de sua importância dentro do projeto. Por outro lado, temos Glória Pires cuja Dona Lindu impressiona por sua força e coragem. Até por ser uma personagem menos conhecida pelo grande público, temos a oportunidade de nos surpreender por aquela mulher que tanto se sacrificou pelos filhos, sendo a interpretação de Pires o grande destaque do filme.

As demais mulheres da vida de Lula, seus interesses amorosos, não são tão bem exploradas assim. Cléo Pires e Juliana Baroni fazem apenas o básico vivendo Lurdes e Marisa Letícia, com Baroni surgindo apenas no último ato do filme e sua personagem tendo pouco tempo para se mostrar para o público.

Devo dizer que a escalação de Cléo Pires para o papel da primeira esposa de Lula fora um grande equívoco por parte da produção. Nada contra a atriz, mas não pude deixar de pensar durante as cenas nas quais aparecem Luiz Inácio, Lurdes e Dona Lindu juntos que nosso Presidente sofria de um imenso complexo de Édipo. Afinal, Glória e Cléo Pires são mãe e filha na vida real e se parecem muito, sendo este um grande problema de casting.

O filme conta com uma ótima direção de arte, recriando bem os momentos históricos vividos pelos personagens, além de uma fabulosa trilha sonora do talentoso compositor carioca Antônio Pinto. No entanto, há os citados exageros melodramáticos na condução da narrativa por parte de Fábio Barreto, mas devo dizer que o diretor também acertou em certos pontos, como na boa inserção de imagens de arquivo e nas ótimas sequências no interior do Nordeste brasileiro, logo no começo do filme, que captaram bem a essência dos retirantes.

Falando na narrativa, devo ressaltar o bom trabalho do departamento de montagem, que imprimiu um bom ritmo ao longa, mas devo dizer que a produção simplesmente não conta com um bom epílogo, se encerrando abruptamente e sem um desfecho coerente com a trama, não mostrando os esforços políticos de Lula nem o resultado de sua luta sindical.

No final das contas, temos um filme bastante falho, mas com uma premissa extremamente forte. Deverá agradar à grande parte de seu público mais pela trajetória de Lula do que por suas virtudes cinematográficas. Para aqueles que quiserem realmente saber mais sobre a luta daquele retirante nordestino para assumir a presidência, recomendo assistir ao documentário “Entreatos”, lançado em 2004 e que mostra muito mais do homem Luiz Inácio Lula da Silva que este filme.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre