Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 26 de dezembro de 2009

Quanto Dura o Amor?

Dura o suficiente. O longa não vislumbra a novidade, mas é sincero com a estrutura que adota.

Quem conhece São Paulo já deve ter experimentado essa sensação: ruas abarrotadas de pessoas não impedem que uma peculiar atmosfera de solidão paire sobre a grande metrópole brasileira. “Quanto Dura o Amor?”, de Roberto Moreira, adota a estrutura altmaniana de várias histórias entrecruzadas por algum elemento comum. Nesse caso, o elo dos conflitos experimentados entre os personagens é a cidade de São Paulo, filmada com imponência e mostrada com a importância de uma protagonista.

A “solidão povoada” da capital paulistana é o elemento perturbador que instiga a reflexão a uma galeria bem díspar de tipos. Uma das primeiras sequências mostra Marina (Sílvia Lourenço) dirigindo pelas ruas da cidade, com a aparente convicção de quem conhece muito bem o caminho diante da infinidade de trajetos possíveis naquela selva de concreto e asfalto. Gradativamente, o roteiro nos apresenta aos outros personagens, mas sem atingir de cara os conflitos que permeiam a existência de cada um deles. Esse ritmo lento é que sustenta a curiosidade pelas cenas seguintes e, com muita calma, o diretor vai construindo um complexo mosaico sobre os problemas que atingem o cotidiano pós-moderno.

Marina é a típica interiorana que chega à megalópole atrás do sonho de se firmar como atriz. As oportunidades oferecidas pela cidade grande fazem com que ela extravase os desejos que eram reprimidos em sua antiga realidade. Ela engata um romance instável com a cantora Justine (Danni Carlos), que por sua vez está envolvida em um enigmático relacionamento com o playboy Nuno (Paulo Vilhena). Outro eixo do roteiro nos mostra a advogada Suzana (Maria Clara Spinelli) que, apesar do jeito decidido e confiante, teme levar adiante o caso engatado com o colega Gil (Gustavo Machado). O embate amoroso do escritor Jay (Fábio Herford), perdidamente apaixonado pela prostituta Michelle (Leilah Moreno), completa o cenário das ações centrais do filme.

Envoltos na experiência do amor, os personagens vivem uma longa sequência de altos e baixos. Cada eixo tem seu andamento próprio e, por muitas vezes, o cineasta contrapõe a felicidade e a empolgação de um personagem com o desapontamento e a frustração de outro. A grandiosidade de São Paulo permeia as histórias. Seja nos momentos de alegria ou nas passagens de decepção, cada indivíduo sente uma necessidade pungente de compartilhar seus sentimentos com a cidade que o cerca. Eles se tornam voyeurs do alheio e dividem com a vista da janela as angústias do sofrimento de amor.

Roberto Moreira opta pela sinceridade com que o cinema capta histórias ordinárias. Milhares de apartamentos em São Paulo representam milhares de sensações, relações e possibilidades. Diante dessa constatação, o cineasta é cuidadoso na tentativa de convencer o espectador de que escolheu as pessoas e os conflitos certos para acompanhar e enquadrar. E é exatamente essa impressão que o filme nos passa. Ao retratar ambientes contrastantes (o caos lisérgico da boate contra a calmaria e a descontração do restaurante japonês), o diretor consegue dizer que, apesar dos inúmeros estilos de vida comportados por uma cidade como São Paulo, há semelhanças entre os anseios e as feições de carência em todos os personagens.

A trilha sonora descolada (com “High & Dry”, do Radiohead), a participação especial de personalidades famosas do cenário cultural e o visual pop do filme só são eficazes graças à direção dos atores, todos muito bem em seus papéis. Filmes embasados na força do diálogo e na sutileza das imagens necessitam, primordialmente, de uma boa encenação, e não há queixas nesse sentido em “Quanto Dura o Amor?”. Há uma forte prevalência da dimensão universal das histórias – uma grata constatação de que o cinema brasileiro, aos poucos, busca caminhos alternativos à retratação maciça da violência e dos problemas sociais.

O transcorrer de tantas sequências delicadas lega alguns momentos realmente especiais: Roberto Moreira sabe, como poucos, filmar a tensão lírica do segundo que antecede o primeiro beijo de Suzana e Gil, ou do primeiro beijo de Marina e Justine, que dura menos de um segundo. A promissora narrativa envolvendo Jay, que chega a suplicar pelo amor de Michelle, é um pouco relegada pelo filme. O resultado final, no entanto, é bastante satisfatório. Aliás, é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre decepções amorosas e questões existenciais muito comuns nos dias de hoje, mas que dificilmente ultrapassam os limites do indivíduo, preso em uma correria cotidiana que muitas vezes suprime diversas necessidades ditas secundárias. Ao fim da projeção, o filme consegue responder à pergunta que propôs no título: o amor dura o suficiente para valer a pena.

Túlio Moreira
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