Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de dezembro de 2009

Avatar (2009): saldo bastante positivo e é uma experiência aconselhável

O título de gênio não se distribui aleatoriamente. Gênios cinematográficos são aqueles que fazem ícones, obras definitivas, que impõe sua marca. James Cameron pode ser considerado um gênio. Contudo, dessa vez, ele tem seu ego dominando sua arte: egoísta, unilateral e extremamente talentoso, Cameron conduz um filme que revoluciona a técnica de se fazer cinema; a técnica, somente.

James Cameron é corajoso, acima de tudo. Ele é certo de seu talento e investe nisso. Cameron topou construir o ícone que foi “O Exterminador do Futuro”, e mais tarde ainda trazer ao mundo a maior representação da força do cinema da atualidade com “Titanic”. Após uma longa hibernação de quase uma década e meia, ele retorna com a proposta de trazer uma experiência completamente inovadora ao espectador. E consegue.

Assistir à “Avatar” no cinema, em uma sala com sistema tridimensional e com som de alta qualidade, é de fato uma experiência única. O cinema é tão grande e imponente, que obriga o espectador a se adequar a ele. E bem provavelmente perca vertiginosamente sua força quando as exigências anteriores não forem atendidas.

Certa feita meu avô me disse que temia que os atores fossem substituídos por seres animados futuramente, e que o bom e velho cinema fosse dando lugar efeitos especiais. Eu, é claro, achei muito ficção científica. Hoje posso concluir que é possível e que o resultado foi bom. Contudo, é essencial ressaltar que o cinema definitivamente não pode sobreviver disso, mas deve se banhar nessas águas eventualmente.

“Avatar” conta uma história futurista, onde um grupo de terráqueos começa a ocupação em um planeta chamado Pandora, que é habitado pelos Na’vi. Um desses humanos é o ex-veterano de guerra Jake Sully, que encontra-se paraplégico.  Jake tem a missão de comandar um Avatar – meio humano, meio Na’vi – para se infiltrar em meio ao povo de Pandora e descobrir seus segredos. Contudo, ele acaba se apaixonando por Neytiri, uma Na’vi que lhe ensina tudo sobre sua raça e que acaba fazendo Jake ficar dividido entre sua vida real e seu Avatar.

Primeiramente é necessário observar que James Cameron é o grande responsável pelo bom funcionamento do filme. Tirando os aspectos técnicos, o diretor é digno de grande reconhecimento por parte premiações do gênero. Cameron tem uma condução ágil e dirige grandes sequências de ação com ritmo constante, além de saber explorar bastante as paisagens de seu mundo imaginário. Com total domínio de sua criação, ele usa o recurso tridimensional como um elemento do contexto e não como um supérfluo sem fundamento, unicamente para encantar os espectadores; ele conta sua história através disso e é feliz em sua escolha.

O cineasta faz múltiplas escolhas, entre planos abertos, closes e câmeras interativas. Ele não estende nenhum de seus planos e o filme, apesar da longa duração, flui de maneira brilhante. Cameron consegue guiar perfeitamente a película e a sensação de descoberta é deliciosa. O diretor também utiliza-se do recurso do slow motion, trazendo-o nas horas mais estratégicas. Quando é necessário conduzir a carga dramática ou romântica do filme, ele sabe o timing certo das cenas.

A parte técnica do filme resume-se em uma palavra: perfeita. Se o objetivo era revolucionar, proporcionar algo único e destruir os limítrofes entre o real e o imaginário, o êxito foi alcançado com louvor. Talvez esse seja o primeiro filme no qual mesmo que se tente procurar defeitos técnicos, não irá achar. O recurso de captura de movimentos é tão fantástico, que os seres digitais que se vê em tela aparentam ser atores maquiados.

As interpretações são  ótimas. Sam Worthington, que teve seu nome atrelado a grandes produções esse ano, mostra um trabalho consistente, seja como humano ou como avatar. Zoe Saldana está fantástica e, apesar de representar uma Na’vi, sua expressividade é tão forte que torna sua atuação deveras humana. Saldana rouba as cenas que faz e é brilhante justamente por trazer uma carga emocional tão forte para a personagem.

Sigourney Weaver mostra-se em plena forma e consegue ser simpática e carismática em ambos os âmbitos de sua interpretação. Por fim, Michelle Rodriguez faz mais uma vez o papel da mulher valentona e, repetitivamente ou não, encaixa-se milimetricamente em seu perfil. O resto do elenco tem um funcionamento orgânico bom, contudo – daí o grande erro do filme – é  sub-explorado, representando clichês.

Com problemas narrativos chatos, diálogos sem muito impacto e uma política um tanto “pão e circo”, Cameron procura suprir sua deficiência da escrita por grandes efeitos e sequências deslumbrantes. A prova da competência dele é justamente o fato que isso funciona muito bem. Entretanto, é irritante a definição canastrona dos vilões do longa ou o “artefato herdado que terá grande importância na batalha final”. Até mesmo o “unidos venceremos” ou então o “grande domador da criatura indomável”. Isso não funciona mais e Cameron só pode estar comprometendo a seriedade de sua obra ao fazer isso. Entretanto, os efeitos acabam por suprir parte disso no produto final.

A fotografia é de um primor absurdo, criando momentos mágicos pelo deslumbre visual. Os efeitos sonoros são muito eficazes e edição de som é fundamental no funcionamento das cenas de ação. A trilha sonora é um dos aspectos que me deixou bastante descontente. Ela funciona bem em determinados momentos, mas em tantos outros é completamente irregular. Simplesmente não encaixa. James Horner não experimenta em nada, e é claro que algumas das suas trilhas anteriores, como as dos filmes “Tróia” e “Titanic”, tem extrema influência aqui. Tem horas que tem trilha de mais, e outras de menos, atrapalhando se você estiver apto para conseguir não estar hipnotizado com o espetáculo visual.

“Avatar” tem saldo bastante positivo e é uma experiência aconselhável a qualquer um. Tem problemas até inaceitáveis para obras de suas proporções, mas é de fato a criação definitiva de um mundo paralelo. Cameron conseguiu nos entregar um grande filme e mostra que valeu a pena esperar tanto por ele. Entretanto,o longa impõe grandiosidade e tem grandes sequências ininterruptas, mas o gostinho que ficou no final foi que não tivemos nenhuma cena icônica ou memorável. E isso consiste em uma palavra: expectativa.

Amenar Neto
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