Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A Princesa e o Sapo

Em tempos do politicamente correto, a Walt Disney Pictures acerta ao lançar uma fábula com sua primeira protagonista afro-americana (ainda que com atraso), volta às origens e traz um longa-metragem feito à mão (em tempos de 3D poderia ser um suicídio) e explora a fórmula do amor que supera todas as barreiras, com um toque nada sutil de contemporaneidade.

frog_posterÀs vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois à frente. Talvez esse seja o pensamento da Disney ao lançar no mercado cinematográfico uma obra que não apresenta grandes revoluções técnicas ou de roteiro. Na verdade, em “A Princesa e O Sapo” (49º longa-metragem de animação do estúdio) muita coisa se repete, mas o interessante é analisar como esse “mais do mesmo” tornou-se uma das mais belas animações de 2009.  Há personagens bons, há personagens maus e toda sorte de artifícios que prendem o espectador dentro da magia que só a Disney pode criar.

A trama mostra uma Nova Orleans da década de 20: vibrante, colorida, que transpira magia, feitiços e muita música. É em suas ruas, em seus rios e em sua cultura que se dá a aventura de Tiana (Anika Noni Rose/Kacau Gomes), uma jovem negra e pobre, porém independente, que sonha em abrir seu próprio restaurante. Em vez de se divertir com os amigos, passa os dias trabalhando como garçonete e economizando cada tostão para a compra de um imóvel que irá tornar seu grande desejo uma realidade. Porém, como um bom conto idílico, sua vida sofre uma reviravolta quando, ao beijar um sapo-príncipe-playboy-enfeitiçado, Naveen (Bruno Campos/Rodrigo Lombardi), acaba ficando igual a ele.

É a partir daí que começa a jornada do herói, neste caso, da heroína. Para consertar essa bagunça, Tiana e Naveen partem para uma grande aventura ao lado do vaga-lume Ray (Jim Cummings/Márcio Simões) e do jacaré-músico Louis (Michael-Leon Wooley/Mauro Ramos). Eles vão em busca da cega Mama Odie (Jenifer Lewis/Selma Lopes), de 197 anos, a maior entendedora de vodus e feitiçarias da região, a única capaz de desfazer o feitiço. Um “clichê saltitante”, o longa-metragem não é nada original e acaba por repetir velhas fórmulas, mas verdade seja dita que o importante é a forma como o clichê é contado, e aqui temos um belo exemplar desse exercício.

Digressões à parte, o roteiro do longa, baseado em um conto russo homônimo, ganha caricaturas modernas com o claro objetivo de contemporaneizar. Ajudado pela estereotipização dos personagens centrais, o roteiro discute valores morais, sentimentos humanos, família, amigos e mostra que, em plena comunhão com o politicamente correto, somente o trabalho árduo nos fará capazes de realizar sonhos. Mas nós sabemos que não é bem assim… O mote central é que antes de encontrarem seus destinos, Tiana e Naveen precisam encontrar a si próprios, e tudo converge para tal. Em “A Princesa e O Sapo”, a magia dos contos de fada serve para humanizar ainda mais os personagens e torná-los críveis, em paralelo ao urbano e ao contemporâneo marcado pelo caráter dos personagens, pelas referências pop, etc. Somem os castelos e as bruxas; entram os charlatões-golpistas, consumismo e as relações sociais. Tudo que precisa estar lá tem sem seu lugar cativo.

Responsáveis pelos bem sucedidos “Aladdin” (1992), “A Pequena Sereia” (1989) e “Hércules” (1997), Ron Clements e John Musker souberam reger este longa com muita delicadeza, conservando a grandiosidade da marca Disney, seja nos traços dos personagens, na forma de desenvolver a história, nas cores e mesmo nas canções, aliada a doses de século XXI. Humor, romance, música e drama em doses iguais fazem desse um filme envolvente e leve, que em nenhum momento cansa ou é chato. Perceber referências a filmes como “O Mágico de Oz” e “Uma Rua Chamada Pecado”, só para citar alguns, é muito divertido.

A animação da Disney pode ser comparada a uma grande comédia romântica a ser estrelada por qualquer mocinha ou galã do momento, tamanha é a sua conexão com o usual. Tomemos de exemplo imediato a personagem Charlotte (Jennifer Cody / Iara Riça), melhor amiga de Tianna, uma moça loira, rica e mimada, mas de bom coração. Já o feiticeiro vudu Dr. Facilier (Keith David / Sergio Fontoura) é o típico vilão Disney, um homem mau que fez pactos escusos para proveito próprio. O príncipe Naveen é retratado como um bon vivant apaixonado pela vida, pela música e pelas mulheres. A Tianna cabe o papel de moça esforçada, que pensa no futuro e que não tem tempo para assuntos do coração. Comportamentos deveras comum em nossos tempos, hã? Coincidências? Não existem coincidências, amigos! É vida real, guardadas as devidas proporções, é claro!

Mesmo com um belo trabalho, principalmente os referentes aos aspectos técnicos da produção, toda feita à mão, a dupla Clement e Musker pisou na bola ao não dar um desfecho satisfatório a alguns personagens. Certamente faltou explorar mais alguns aspectos da história, talvez desenvolver as motivações dos antagonistas da trama, mas nada compromete o pacote. Apesar de perder ponto no roteiro, o longa ganha outros aos mostrar números musicais encantadores (em letra e arranjos), que levam o groove do jazz, blues e gospel, com músicas do premiado compositor Randy Newman (“Carros”, “Monstros S.A.”, “Toy Story”) e a utilizar um jogo de cores fabuloso presente em toda a projeção, mesmo quando se faz obrigatório nuances mais darks.

Há 72 anos a Disney apresentou sua primeira princesa e muitas foram as mudanças na forma de se contar uma história, mas se há algo que permanece intacto é o fato de que princesas serão sempre princesas, vilões serão sempre vilões e histórias de amor e superação sempre irão nos comover. Não importa a cor da pele, a nacionalidade dos personagens ou a forma como a história é contada. No final a gente ri, se emociona e torce mesmo por um final feliz. Como deve ser um conto de fadas!

Debora Melo
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