Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Avatar (2009): o filme não é a revolução do cinema, mas vale muito assistir

Sem dúvida alguma, o tão esperado retorno de James Cameron é justificável, já que ele coleciona sucessos memoráveis. Mas "Avatar" não é senão uma experiência sensorial, e só vale a pena se for vivenciada em 3D.

Os seus amigos mais ligados já estão comentando ansiosos faz tempo. Sua rede favorita de fast-food já anunciou que ele será o tema dos seus próximos brinquedinhos. O rosto dos personagens estampa os cadernos que se impacientam para sair das prateleiras. Centenas de outdoors pela cidade gritam: “Avatar estreia dia 18 nos cinemas! Expectativa? Sim, muita. E vem revestida de um peso que não deixa por menos – pregam por aí que o filme de James Cameron vai revolucionar o cinema.

“Avatar” é um projeto antigo do diretor, idealizado 15 anos atrás, quando a computação gráfica ainda era muito primária para dar asas ao mundo fantástico onde tudo se passa. E Cameron não aceitaria nada menos do que um realismo espantoso. Mas, de lá para cá, as fronteiras entre o possível e o impossível em termos de tecnologia no cinema deram um salto, e foi com o Gollum de Peter Jackson que James Cameron finalmente se deu por convencido de que, sim, o mundo que ele imaginou podia passar para as telas sem ser diminuído por uma CG pouco convincente.

Incansável, o diretor passou por um recesso de mais de uma década sem realizar um filme desde “Titanic” (1997), se dedicando inteiramente a “Avatar”, que ele afirma ter sido o filme mais desafiador da sua carreira, o que confere uma ansiedade ainda maior pela estreia, visto que o realizador também assina os clássicos modernos “Aliens” (1986) e “O Exterminador do Futuro 2″ (1991).

O ano é 2154. Os humanos (leia-se americanos, obviamente) precisam solucionar a crise energética na Terra e descobrem um minério que encerraria o problema. A questão é que ele não existe no nosso sistema solar, mas na lua Pandora, que é apresentada como um mundo de formas orgânicas e belas, desconhecidas dos terráqueos, onde a natureza respira plena, cada elemento está em simbiose com o todo e o menor desequilíbrio traz austeridade. Os nativos humanóides de Pandora são os Na’vi, e a invasão do seu território para a extração do minério gera tensão entre as duas espécies.

Cria-se então o Programa Avatar, liderado pela cientista Grace Augustine (Sigourney Weaver), no qual humanos têm a consciência transferida para um corpo Na’vi e nesse novo corpo podem explorar Pandora, em uma tentativa de entender e criar um elo de confiança com os verdadeiros Na’vi. Não propositalmente, o principal sujeito do Programa é o ex-fuzileiro Jake Sully (Sam Worthington), cujo corpo real está confinado a uma cadeira de rodas. A sua trajetória fará com que se apaixone pela nativa Neytiri (Zoë Saldana) e seja acolhido pelo seu clã, sendo que o amor dos dois é o que serve de pulsação para toda a história.

Sob a batuta de James Cameron, os animadores da WETA Digital (gigante dos efeitos especiais fundada por Peter Jackson) deram vida e grandes olhos expressivos às criaturas da aventura. Se o velho plot do forasteiro que cai de pára-quedas em uma cultura desconhecida, e lá acaba se encontrando, não inaugura nada de novo, a concepção estética dos alienígenas e seu habitat é original e atraente. Para não falar do realismo sem precedentes. Cada poro, tendão, músculo e cabelo dos seres em CG é palpável a ponto de nos questionarmos se eles podem mesmo ser categorizados como animação.

Mas uma coisa é certa: “Avatar” é um filme para ser assistido em 3D e não se pode dizer o mesmo sobre vários dos últimos lançamentos que também se vendem assim, mas que não apresentam um impacto muito maior do que se vistos em um cinema normal. A produção de James Cameron é um caso à parte nesse aspecto, já que foi pensada especificamente para se encaixar à nova onda do cinema tridimensional. De fato, o lo ga é uma experiência sensorial, os planos em perspectiva são elevados para uma outra esfera e as cenas com maior profundidade de campo chocam pelo realismo. Não posso deixar de relacionar com o choque da plateia que assistiu à primeira sessão de cinema de que se tem notícia, em 1895, quando o cinematógrafo dos Irmãos Lumière exibiu “A Chegada do Trem à Estação Ciotat”, no qual uma locomotiva vinha em direção ao público que desesperava, porque a profundidade de campo e a perspectiva eram de um realismo incrível para a época. (Guardadas as devidas proporções da comparação, certamente).

E como o filme vale a pena se experimentado em 3D, a boa notícia para os brasileiros é que a Fox Film do Brasil confirmou que as cópias nesse formato, pela primeira vez no país, terão legendas e som original, além das versões dubladas.  Era de se imaginar que a certa altura do filme o espectador se acostumasse com o 3D, estivesse de tal forma imerso que parasse de o perceber, como acontece com grande parte dos lançamentos nesse formato. Mas não, a computação gráfica e o fator tridimensional são surpreendentes até o fim. Os movimentos de câmera são emocionantes, com travellings rasantes e velozes que só a CG poderia ter possibilitado. “Avatar”é entretenimento que se compara a um brinquedo da Disney World.

No entanto, se o mérito do filme de Cameron é a tecnologia e a beleza original do mundo de Pandora, a narrativa é elementar demais para que o espectador se envolva. O plano psicológico e emotivo é claramente deixado em segundo lugar, mesmo se tratando de uma história de amor. É decepcionante, especialmente tendo em vista os outros filmes do diretor, como “Titanic” e “Aliens, que produzem longas catarses. “Avatar”, por sua vez, tenta estender sua mão ao público só no final do filme, para que as pessoas se identifiquem com o drama dos personagens rasos, mas é tarde demais. As escolhas narrativas não constroem gradativamente uma conexão, elas só vão até onde vai a computação gráfica. Você é sugado pelas formas e luzes de Pandora, mas não pelas pulsões dos personagens e o filme acaba ficando um pouco sem sal, apesar de todas as manobras da câmera.

O nome de James Cameron normalmente é associado a uma máquina de produzir obras memoráveis. E se os seus belos Na’vi conseguirem se manter na memória do grande público pelas próximas décadas, não será sem razão. Mas o mérito é, mais uma vez, da estética particular, das cores e das formas, do breakthrough tecnológico. A trama em si não tem força para aguentar a pressão do tempo.

A ingenuidade do roteiro não está nos clichês ou nas frases de efeito (aliás, a ideia de que não se possa fazer um bom filme cheio de lugares-comuns é ingênua também). Está no desenvolvimento simplório da retórica e dos recursos da linguagem cinematográfica. Para citar um exemplo que chega a ser cruel pela comparação, basta ver como Spielberg conduz suas tramas. Ele também é o autor de blockbusters que muitas vezes tecem clichês, mas não falha nunca em conquistar o espectador por completo, por meio de artifícios simples como um silêncio bem colocado ou uma montagem reveladora.

As inovações mirabolantes em CG são importantes, mas não são o coração dos seus filmes. A imagem da porta fechada de uma cozinha escura, vista por uma câmera parada e sem efeito especial algum, apenas a expectativa de que um Velociraptor vá forçar a maçaneta a qualquer momento, é suficiente para prender a respiração de qualquer um até o plano seguinte, em “Jurassic Park” (1993).

Vale lembrar que esse filme de Spielberg também nos bombardeou de publicidade e expectativa antes da sua estreia, se valendo da tecnologia de vanguarda que ele empregou para fazer com que os dinossauros parecessem reais. Mas não é a CG que dita o filme, como na produção de James Cameron. Logo, “Avatar” definitivamente não é a revolução do cinema, porque o cinema está longe de ser só cores e formas bonitas escritas com luz na tela grande.

M. Martinez
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