Cinema com Rapadura

Colunas   segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Soundtrack: As cinebiografias dos grandes ídolos da música

Aumente o volume para assistir à vida e à musica dos rebeldes que moldaram o bom e velho rock'n'roll.

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“O filme começará em cinco minutos”, anunciou a voz ao fundo. “Quem não tiver lugar, terá de esperar a próxima sessão”. Nós entramos na sala calma e lentamente. O auditório era grande e silencioso. Ao nos sentarmos, as luzes se apagaram e a voz continuou: “O filme desta noite não é novo. Vocês já o viram várias vezes. Viram seu nascimento, a vida e a morte. Talvez se lembrem do resto. Vocês se divertiram antes de morrer? O suficiente para inspirar um filme?”

Assim começa o filme “The Doors”.

Da mesma forma como diz o ditado, a arte imita a vida e a vida imita a arte. E, na verdade, tudo está interligado de alguma forma. Filmes que trazem para mais perto do público a vida de seus ídolos musicais são alguns dos que recebem mais atenção, não só por cinéfilos, mas principalmente pelos apreciadores dos artistas homenageados. São filmes que falam justamente de pessoas tão amadas e idolatradas, consideradas gênios e até mesmo deuses; que são tão queridas e admiradas por conseguirem expressar exatamente o que muitos não conseguem; sobre quem são, o que sentem e o que pensam.

Pessoas que são a voz de gerações, de grupos sociais, de valores e de identidades. O cinema, junto com a literatura, talvez seja a forma máxima de culto a alguém, o mais próximo que um fã poderá chegar de seu herói e de conseguir compreendê-lo. Todos nós precisamos de heróis e de saber que eles ainda estão vivos, seja por meio de imagem, seja pela música. E não nos cansamos de querer sempre mais.

Recentemente, foi divulgado o nome do ator que viverá Freddie Mercury em sua cinebiografia. Ben Whishaw, conhecido também por interpretar uma das facetas de Bob Dylan em “Não Estou Lá”, foi escolhido para viver o vocalista da banda Queen após uma longa indecisão em torno da questão. O primeiro nome a ser considerado foi o de Sacha Baron Cohen (“Os Miseráveis”), que desistiu do projeto em julho deste devido a divergências criativas com os demais integrantes da banda. Os desentendimentos seriam motivados pela forma como algumas questões seriam abordadas no filme, como a sexualidade de Mercury e seu envolvimento com drogas. A trama do filme irá se concentrar nos anos de formação do Queen até o show no Live Aid, em 1985, dessa forma deixando de lado os últimos anos do cantor e sua morte em 1991, aos 45 anos.

Existem muitas expectativas acerca desse filme. Freddie Mercury influenciou muitas vidas e a sua música e espírito conquistam muitas pessoas hoje e, com certeza, o continuarão por muito tempo. Fazer um filme sobre alguém tão querido é extremamente delicado e existe muito a ser ponderado. O rock n’ roll possui uma força cativante entre seus fãs e conseguiu conquistar um grande espaço na tela grande do cinema. Assim como a citação no início deste texto pondera, são pessoas que viveram para inspirar, seja em como viver a vida, seja na realização de um filme. Ao longo dos anos, muitos longas foram realizados com a intenção de homenagear os ídolos do rock e, de certa forma, até desconstrui-los na intenção de torná-los mais palpáveis.

Listamos, agora, alguns dos grandes filmes que buscaram adentrar no universo de pessoas tão amadas por tantos. Ficaram de fora outros como: “The Runaways”, “Control” e “A Fera do Rock”, mas quem sabe esses filmes que não estão possam gerar uma nova conversa?

“Sid & Nancy” (1986), de Alex Cox.

casais-mais-quentes-sid-nancy Trazendo à tona a história do baixista da banda britânica Sex Pistols, Sid Vicious, vivido por Gary Oldman (“O Espião que Sabia Demais”) e seu relacionamento deturpado com a groupie Nancy Spungen, interpretada por Chloe Webb (“Da Magia à Sedução”), o filme é cultuado por muitos no cenário underground como um retrato do punk. Por conseguir refletir por meio de Sid e Nancy o próprio conceito do punk, muitos jovens interessados na música têm com o filme uma porta de entrada para entender melhor o movimento e conhecer quem fez parte dele. Assim, “Sid & Nancy” acaba não sendo apenas a biografia de um ídolo, mas de uma geração e um estilo musical.

O filme foi a oportunidade de Gary Oldman de ser reconhecido pela crítica e pelo público por seu trabalho como ator, sendo elogiado pela imprensa e até mesmo pelo vocalista do Sex Pistols, John Lydon. O cantor afirmou que, apesar da excelente performance de Oldman, ninguém na produção realmente conhecia Sid ou fez pesquisas sobre ele e os demais envolvidos na trama, tornando o filme quase um culto ao vício em heroína e uma forma de denegrir a imagem do baixista. Ele também disse que todas as cenas com os Pistols foram irreais.

Além dos demais atores, o filme contou com a participação da cantora Courtney Love, viúva de Kurt Cobain. Love havia se interessado inicialmente pelo papel de Nancy, mas acabou atuando como uma personagem secundária.

“The Doors” (1991), de Oliver Stone.

2006-12-27-kilmerEmbora carregue em seu título o nome da banda, “The Doors” se preocupa principalmente em falar sobre seu vocalista e principal compositor, Jim Morrison, vivido por Val Kilmer (“Vício Frenético”). O filme inicia com uma cena da infância de Morrison, quando ele presencia um acidente de carro da estrada em que uma família de índios é ferida e, a partir daí, mostra a vida do cantor desde a sua saída da faculdade de cinema, quando já dava indícios de ser um poeta incompreendido, até sua morte ainda enigmática na banheira em um hotel em Paris.

Mais do que realmente explorar quem foi Morrison e a banda The Doors, ou o relacionamento entre os membros, os shows e o processo de criação, a obra tem interesse principalmente em expor todos os problemas que rodearam o cantor em sua carreira, uma coletânea dos momentos mais polêmicos e constrangedores protagonizados por ele, sobre e atrás dos palcos. Stone foca em um Morrison completamente afundado em drogas e seu relacionamento complicado com Pamela Courson, interpretada por Meg Ryan (“Armadilhas do Amor”), e Patricia Kennealy, interpretada por Kathleen Quinlan (“Cinema Verite”). Por mais que Val Kimer realmente tenha feito uma atuação excepcional, capturando todos os trejeitos de Morrison, Oliver Stone transformou o personagem em um homem incapaz de manter uma conversa com qualquer pessoa, quase uma criança desamparada no mundo.

http://www.youtube.com/watch?v=UZqGfW78BN0

“Johnny e June” (2005), de James Mangold.

BWalk the Lineaseado na vida de Johnny Cash, o filme deve seu nome original (“Walk the line”, “Andar na linha” em tradução livre) a uma das músicas do cantor, “I Walk the Line”. Cumprindo muito bem o papel de uma biografia, o longa traz ao espectador toda a vida de Cash, interpretado por Joaquin Phoenix (“O Mestre”), desde sua infância no Arkansas e sua relação coma família, sua carreira, seu envolvimento com drogas e seu encontro e relacionamento com sua eterna musa, June Carter, interpretada por Reese Witherspoon (“Água para Elefantes”).

O filme recebeu inúmeras críticas positivas na época de seu lançamento e o que o torna tão icônico é justamente o casal de atores principais. Phoenix e Witherspoon se entregam tão apaixonadamente a seus papéis, capturando brilhantemente cada gesto, cada nuance, cada expressão e forma de falar de Johnny e June, cantando e tocando os instrumentos ao subir no palco para interpretar os shows dos músicos. Um crítico chegou a afirmar que, ao fechar os olhos para ouvir a trilha do filme, ele nitidamente ouviu a voz de Johnny Cash. No entanto, ao olhar os créditos, descobriu que foi o próprio Phoenix quem cantou todas as músicas.

http://www.youtube.com/watch?v=UZqGfW78BN0

“Não Estou Lá” (2007), de Todd Haynes.

Cate BlanchettAdotando o nome de uma das músicas de Bob Dylan (“I’m Not There”), o filme procura explorar as diferentes fases da vida do cantor, cada uma diferente e rica de personalidades únicas. Dylan é interpretado por seis atores distintos, cada um retratando uma fase de sua vida ou mito que o envolve e cada um tomando para si um nome diferente e significativo na história. O interessante é que, assim como cada face do cantor, cada arco de personagem é filmado de forma diferente, seja em preto e branco ou por meio de uma narrativa de documentário.

Marcus Carl Franklin (“A Arte da Conquista”) representa o início da carreira de Dylan e a influência que o compositor folk Woody Guthrie teve sobre ele. Em uma cena, o garoto recebe o valioso conselho de “viver seu próprio tempo e cantar sobre sua época”. Christian Bale (“Batman – O Cavaleiro das Trevas”) interpreta Jack Rollins, momento de grande sucesso de Dylan e quando ele se tornou um defensor dos direitos civis, sendo catalogado como um “cantor de músicas de protesto”. É por meio de Bale que também acompanhamos o envolvimento do cantor com a religião cristã.

A voz poética de Dylan e suas ideias são representadas por Arthur Rimbaud, interpretado por Ben Whishaw (“A Viagem”). Rimbaud, influenciado pelo próprio poeta Arthur Rimbaud, dialoga diretamente com o público, expondo falas de entrevistas e escritos do cantor. Heath Ledger (“O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus”) é Robbie Clarke, ator que interpreta Jack Rollins. Clarke simboliza os flertes de Dylan com o cinema e seu lado caseiro, sua busca por manter uma família apesar da rotina complicada de um grande astro.

Cate Blanchett (“Blue Jasmine”) é a única mulher a interpretar Dylan e tem a melhor interpretação no filme, tendo o seu personagem, Jude Quinn, a melhor resposta do público. Quinn vive o período mais conturbado do cantor, a mudança brusca em seu estilo e seus conflitos com mídia e público. É por meio de Quinn que também assistimos a dois encontros deliciosos, primeiro com os Beatles e em seguida com Allen Ginsberg. Por fim, temos Richard Gere (“Sempre ao seu Lado”) interpretando Billy, personagem que retoma a dois filmes em que Dylan atuou: “Pat Garrett & Billy The Kid” e “Hearts of Fire”.

Por possuir uma montagem não linear, intercalando diferentes personagens, mas que são o reflexo de uma única pessoa, o filme não agradou tanto ao público, sendo considerado de difícil entendimento. Quando questionado se a película ele poderia ser considerada uma biografia sua, Dylan respondeu: “Eu achei que foi legal. Você acha que o diretor está preocupado se as pessoas o compreenderam ou não? Eu acho que ele não se importa nem um pouco. Eu acho que ele só queria fazer um bom filme. Eu achei que ficou bom, e os atores estão incríveis”.

“O Garoto de Liverpool” (2009), de Sam Taylor-Johnson.

images-1Um pouco diferente de outras biografias, “O Garoto de Liverpool” se foca em apenas um momento da vida de John Lennon, interpretado por Aaron Johnson (“Kick-Ass”). Talvez essa escolha se deva ao fato de essa ser uma época não totalmente conhecida pelos fãs e uma oportunidade de se descobrir um pouco mais sobre as raízes do cantor e compositor. O filme mostra um período específico da vida de Lennon: quando começou a se interessar por rock n’roll e a faísca no surgimento dos Beatles, quando conheceu Paul McCartney, papel vivido por Thomas Brodie-Sangster (“Simplesmente Amor”) e George Harrisson, interpretado por Sam Bell (único trabalho como ator).

No entanto, mais do que a música, envolvimentos amorosos ou o relacionamento com os companheiros de suas bandas, o filme explora principalmente a de John com as duas mulheres que foram essenciais em sua juventude e que marcaram seu processo criativo: a mãe, Julia, e a tia, Mimi. Por causa de seu relacionamento complicado e conflituoso com a mãe, ou, na verdade, relacionamento quase inexistente, Lennon compôs várias músicas, carinhosas ou críticas, indagando o motivo de ser um filho abandonado. Já Mimi, apesar de seu descontentamento com o gênero musical escolhido pelo sobrinho, é personagem célebre na história dos Beatles por tê-lo educado, dando a Lennon posterior apoio na carreira, além de sua primeira guitarra.

Adele Lazarin
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