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Colunas   sábado, 10 de fevereiro de 2018

O Paradoxo Cloverfield: a riqueza das variações de um mesmo tema

De Nova Iorque e monstros gigantes ao espaço e paradoxos: entenda como "Cloverfield" se propõe a ser uma franquia reconhecível mesmo com filmes tão diferentes.

Já são 10 anos desde o lançamento de “Cloverfield – Monstro“, filme produzido por J.J. Abrams (“Star Wars  – O Despertar da Força“) e dirigido por Matt Reeves (“Planeta dos Macacos – A Guerra“) que trazia uma criatura gigante, carinhosamente apelidada pela equipe e fãs de “Clover”, destruindo Nova Iorque e causando o mais absoluto caos. Em 2016, “Rua Cloverfield, 10” entrou na surdina para o universo que Abrams criava, enquanto 2018 viu a estreia de “O Paradoxo Cloverfield” de maneira ainda mais surpreendente: com um anúncio, trailer e lançamento na Netflix, todos no mesmo dia. Ainda assim, há mais ligando estes filmes do que uma palavra em seu nome, com elementos narrativos em comum que entrelaçam seus temas, dando uma identidade comum entre eles.

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Dentro do ramo dos spoilers, é conhecida a quantidade de easter eggs que unem os filmes; indo desde marcas falsas que estes – e outros longas nos quais Abrams esteve envolvido – têm em comum até empresas que parecem estar por trás de todos os acontecimentos, a franquia denominada pelos fãs de “Cloververso” carrega em si uma bagagem curiosa para uma série de filmes que não apresenta nenhuma conexão linear entre si. Mais do que isso, o que realmente conecta cada uma das películas é a sua abordagem, a sua temática e a consequente exploração dos gêneros e subgêneros cinematográficos aos quais cada um destes filmes pertence, de maneira interligada.

Abordagem: humanos no primeiro plano

Um dos dilemas que filmes de monstros enfrentam é como tratar a dinâmica monstros versus humanos. As escolhas diferem; a escola japonesa do subgênero, por exemplo, prioriza a criatura. Em “Godzilla“, de 1954, ou mesmo “Kong – A Ilha da Caveira“, de 2017, vê-se que o desenvolvimento dos personagens humanos e suas relações são secundárias frente ao principal: criaturas gigantes causando destruição massiva em intensas cenas de ação. Este é o foco do filme.

A escola ocidental do subgênero, por outro lado, bebe da fonte oriental, mas ainda segue os padrões hollywoodianos ao gerar a identificação da audiência com os personagens que estão em risco naquele momento. Sob este prisma, o monstro é importante para mover a trama adiante, mas a evolução das relações humanas é a verdadeira recompensa ao final do arco narrativo principal. É nessa escola que o “Cloververso” se encontra.

Isto já fica óbvio desde o primeiro filme. Embora o pôster traga o tema “monstro gigante” claramente em destaque, o longa se inicia com o drama de Rob (Michael Stahl-David, “Please Stand By“) e a necessidade de dizer para Beth (Odette Annable, da série “Supergirl“) como se sente antes de se mudar para o Japão. Quando Clover ataca, é isso que move a trama à frente, e não um simples impulso de sobrevivência: o filme é, em última análise, sobre a busca de Rob pela mulher que ama, e não sobre o monstro devastador.

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O mesmo acontece em “Rua Cloverfield, 10” de forma ainda mais óbvia. Nele, a fonte do medo é construída a partir dos relatos de Howard (John Goodman, “Kong: A Ilha da Caveira“): ele diz que há um ataque nuclear estrangeiro ou algum tipo de invasão, e que a única forma de Michelle (Mary Elizabeth Winstead, “Um Cadáver Para Sobreviver“) e Emmett (John Gallagher Jr., “O Experimento Belko“) sobreviverem é ficando no abrigo antibombas que ele construiu. Ali, com os três personagens enclausurados em um diminuto espaço, o filme se propõe a analisar como nossos traumas não moldam só a nós, mas como inevitavelmente mudam a vida daqueles que entram em contato conosco.

Com o surgimento de “O Paradoxo Cloverfield” na Netflix, não é preciso mais do que alguns minutos para notar que o filme, independente de ser bom ou não, é, de fato, uma experiência Cloverfield. Aqui, o mal espreita na forma do paradoxo do título, mas em primeiro plano temos o drama de Ava Hamilton (Gugu Mbatha-Raw, da série “Black Mirror“), dividida entre seu dever em se dedicar para salvar o planeta ou investir no relacionamento com seu marido na fase extremamente difícil a qual estão atravessando. A escolha pelo bem maior versus o contentamento pessoal permeia todo o longa, embora as escolhas de Ava sejam menos relevantes para o andamento da trama do que nos filmes anteriores.

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Ainda assim, embora as relações humanas sejam o pivô dos filmes, eles ainda usam como chamariz os elementos sobrenaturais e/ou bizarros que estampam os seus pôsteres. Entretanto, a franquia tem sua forma própria de lidar  com esses seus horrores.

Temática: os horrores e as claustrofobias

As ameaças enfrentadas pelas pessoas ao longo dos filmes de “Cloverfield” seriam aterradoras por si só, mas há sempre uma sensação mais evidenciada de perigo no ambiente e na forma que estes são capturados pelas lentes dos diversos diretores da franquia. Aprisionando seus personagens, a franquia consegue potencializar o pânico que os perigos enfrentados impõem, de forma que outro traço marcante comum aos três filmes – até agora – é a claustrofobia.

É em “Rua Cloverfield, 10” que este elemento está potencializado ao máximo, sendo parte integrante da trama principal. Em um mundo dito ser inóspito, Howard, Emmett e Michelle se veem aprisionados dentro de um bunker por tempo indeterminado, tendo como companhia somente uns aos outros. Contudo, é fácil que um local seguro se torne uma prisão: tudo depende de onde está a ameaça. Quando o mal parece estar dentro do abrigo, o jogo vira, e agora os protagonistas se veem presos dentro de suas próprias defesas.

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Em “Paradoxo”, a dinâmica é diferente: no espaço ninguém ouve seus gritos, então não há segurança para a tripulação da Estação Cloverfield, ainda mais considerando que eles carregam a bordo um acelerador de partículas com um enorme potencial destrutivo. Por mais inóspito que seja este ambiente, o que os separa da morte são as paredes metálicas da estação espacial. Aqui de uma forma mais genérica, também não tarda para que a ameaça esteja do lado de dentro, e o filme de 2018 se alinha com seu predecessor de 2016: do lado de fora, a morte certa; do lado de dentro, a ameaça crescente. Para onde fugir?

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Rob e seus companheiros não têm esse problema no filme original de 2008: o mundo é aberto, ainda mais agora que Clover demoliu prédios inteiros. Para gerar o mesmo efeito aqui, Abrams e Reeves realizam o filme através de uma câmera nas mãos de Hud (T.J. Miller, “Deadpool“). No desespero do cataclismo ao seu redor, Hud põe a câmera próxima ao rosto de seus amigos, se sacode em movimentos curtos e tem uma visão limitada dentro de túneis e corredores escuros. Se o espaço é aberto, a fotografia se encarrega de fechá-lo.

Os subgêneros e o futuro da franquia

Todos estes elementos se apresentam de forma analítica, e é possível enxergar o cuidado na construção da uniformidade da forma como os filmes se enredam. Ainda assim, sob o prisma do entretenimento, cada um dos longas pertence a um subgênero cinematográfico diferente, de forma que eles não se propõem a somente cumprir os requisitos propostos pelo nome “Cloverfield” no título, mas explorar como cada nicho pode acrescentar ao universo.

A contribuição do original de 2008 se dá no âmbito do terror – inclusive com elementos de gore (a violência explícita) e de opressão psicológica -, com o uso do artifício das “filmagens encontradas”, nicho revolucionado por “A Bruxa de Blair” e popularizado novamente pela franquia “Atividade Paranormal“. “Rua Cloverfield, 10”, por sua vez, explora o gênero do thriller e do suspense, enquanto “O Paradoxo Cloverfield” faz da ficção científica e do terror espacial o seu campo de ação.

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Esta exploração dos subgêneros cinematográficos é semelhante ao que a Marvel faz no cinema, com seus filmes baseados em quadrinhos que variam entre os gêneros da comédia, espionagem, ópera espacial e afins. Tal estratégia garante a sobrevida das duas franquias, por conseguirem explorar novas fronteiras narrativas sem estafar o público com o mais-do-mesmo. No caso da franquia “Cloverfield”, o quarto capítulo, já com lançamento agendado para 26 de outubro deste ano, é provisoriamente intitulado como “Overlord” (referência à operação militar conhecida como Dia D), e tratará sobre um grupo de soldados Aliados que descobre algo sobrenatural pior do que os nazistas na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial – ou seja: ao que tudo indica, teremos demônios em um filme de guerra, e menos de uma semana antes do Halloween.

Seja como for, Abrams já afirmou que tem pretensões de longo prazo com este multiverso, visto que já há rumores de o quinto filme estar sendo filmado e que seria protagonizado por Daisy Ridley (a Rey, de “Star Wars“). Contando com uma legião de fãs que acompanha ávida cada movimento do marketing viral do filme há mais de uma década – desvendando códigos secretos, traduzindo frases em hebraico e passando horas revendo os filmes para encontrar informações escondidas -, a franquia de J.J. Abrams comemora seus dez anos dividida entre elogios e derrotas, mas certamente com fôlego para manter seus vorazes seguidores interessados enquanto continua a alcançar o grande público com seus monstros e horrores gigantes.

Erik Avilez
@eriksemc_

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