Cinema com Rapadura

Colunas   quinta-feira, 01 de fevereiro de 2018

Guillermo del Toro: onde a fantasia, o terror e a humanidade se encontram

Longas como "Hellboy" e "O Labirinto do Fauno" mostraram o talento do diretor para criar histórias chamativas, fantásticas e com excelente visual.

No dia 04 de março, o longa “A Forma da Água” pode marcar o ponto mais alto da carreira do diretor mexicano Guillermo del Toro. Com 13 indicações ao Oscar, incluindo categorias principais como Melhor Roteiro Original, Melhor Atriz (Sally Hawkinws, de “As Aventuras de Paddington”), Melhor Diretor e Melhor Filme, a obra é tida como uma das grandes favoritas à premiação deste ano.

Mesmo que a vitória não aconteça, a exposição do filme na temporada de premiações serve como porta de entrada para (re)visitarmos a carreira do diretor, marcada por boas ideias, uma direção de arte que sempre chama a atenção e pela mistura de fantasia e terror que caracteriza boa parte de suas obras. Com isso em mente, o Cinema com Rapadura analisa a filmografia do mexicano, destacando os elementos que fizeram com que del Toro se tornasse um dos diretores mais queridos da atualidade.

“Cronos” (1993)

O primeiro longa dirigido e roteirizado por del Toro narra a história de um misterioso objeto, projetado para prover a vida eterna para aquele que o usa. Após 400 anos desaparecido, o artefato cai nas mãos de um vendedor de antiguidades (interpretado por Federico Luppi, de “No Fim do Túnel”), que tem sua vida – e sua natureza – completamente alteradas quando entra em contato com o objeto. Além disso, a perseguição ao artefato por um homem doente (Claudio Brook, da série “Retrato de Família”) e o seu sobrinho (Ron Perlman, de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”) tornam a vida do protagonista ainda mais difícil.

Além da participação de Perlman, que tornaria-se figurinha carimbada nos filmes do diretor, a produção apresenta alguma das características que acompanharão del Toro por toda sua carreira. O terror e o suspense das obras do mexicano não são aquelas providas, necessariamente, do jump scare (algo que raramente ele utiliza), mas a criação de um ambiente de incerteza em que o espectador se pergunta “o que vai acontecer agora?”. O orçamento mínimo de “Cronos” até impede algo mais elaborado em relação ao visual, mas a maquiagem na transformação de Luppi em uma espécie de vampiro já chama a atenção, evidenciando o seu talento para criar visuais marcantes. Há de se destacar, por fim, a atmosfera de inocência e fascínio que os personagens infantis dão à trama – algo que ele irá utilizar em outros de seus filmes -, sendo que a função aqui cabe à sobrinha do protagonista, proporcionando à produção um ar ainda mais fantástico.

Veja o trailer:

“Mutação” (1997)

O segundo filme do diretor não figura entre seus melhores, mas ele tem tanto a cara dos anos 90 que ganha um ar nostálgico, mesmo que seja a primeira vez que você o assista. Na trama, uma doença atinge as crianças de Nova York, sendo transmitida pelas baratas. Para combater o quadro, a equipe da dra. Susan Tyler (Mira Sorvino, de “O Poder e o Impossível”) cria uma nova espécie, os Judas, que acabam extinguindo as baratas dos esgotos da cidade. Três anos depois, entretanto, descobre-se que a nova criatura evoluiu e cresceu nos esgotos, e está prestes a ameaçar toda a cidade.

Apesar do resultado da produção ser mediano, o longa é a primeira vez que temos uma ideia mais ampla do que del Toro pode fazer em relação à construção dos monstros. O visual dos “homens insetos”, que ameaçam a vida dos humanos, é mantido em segredo no decorrer da história, atiçando a curiosidade do espectador. E mesmo que ele esteja limitado pelo tamanho da produção, o visual das criaturas não deixa de ser chamativo e, em certo grau, até mesmo assustador. O ambiente escuro e claustrofóbico dos esgotos, uma visível inspiração em “Alien – O Oitavo Passageiro” (1979), é outro fator que reforça a sensação de terror do longa.

Assista ao trailer:

“A Espinha do Diabo” (2001)

Possivelmente o trabalho mais fraco da carreira de del Toro. A trama acompanha um garoto de 12 anos abandonado em um orfanato isolado, durante a Guerra Civil Espanhola. O menino deve lidar com a hostilidade tanto das crianças que moram no local como de um cruel funcionário. A situação se torna ainda mais drástica quando o novato começa a ter visões de um garoto fantasma que perambula pela instituição.

Talvez justamente por ser uma trama contada a partir do ponto de vista das crianças, e não dos adultos, que o fator de inocência relacionada a infância que há em “Cronos”, “Labirinto do Fauno” e até mesmo em “Pacific Rim” se perde. O visual do fantasma não é dos mais chamativos, não funcionando nem como elemento de terror nem como elemento fantástico. As atuações, medianas, pouco acrescentam. A grande sacada do filme acaba sendo a subversão de papéis ao questionar quem é, de fato, o “monstro” na história: se o garoto fantasma, ou se algum dos humanos que passam por ali. Algo que voltaria com força em “O Labirinto do Fauno”.

Veja o trailer da obra:

“Blade II” (2002)

Para aproveitar da melhor forma as qualidades de “Blade II”, é necessário lembrar e ressaltar os méritos que tornaram “Blade”, lançado em 1998, um filme tão importante. Em um momento em que os filmes de herói estavam em baixa (só lembrando que “Batman & Robin” tinha sido lançado pouco antes), o primeiro “Blade” deu um passo importante para o renascimento do gênero que ainda tinha como maiores expoentes os primeiros longas do Superman, lançados em 1978 e 1980.

Mesmo com um orçamento modesto, a produção conta com um protagonista carismático e bad ass, um drama pessoal bem amarrado, um ator bastante à vontade no papel principal (Wesley Snipes, de “Resposta Armada”, brilha como protagonista) e uma ação que empolga – a introdução do Blade é fantástica. Até mesmo os efeitos especiais, que chegam a ser ridículos e hoje são extremamente datados, conseguem dar um charme extra à produção, proporcionando bons momentos de gore.

Muito disso foi reaproveitado na sequência, o primeiro trabalho de destaque de del Toro dentro da indústria. O mexicano mostra suas qualidades ao elevar a ação, criando boas sequências, mas também acerta na proposta de criar uma dinâmica de grupo, cômica e mortal, entre Blade e e seus inimigos, enquanto eles caçam uma nova espécie de vampiro que também se alimenta de outros vampiros. O humor funciona, assim como as atuações de Snipes, Ron Perlman e de um jovem Norman Reedus (da série “The Walking Dead”). É de se lamentar apenas a repetição do artifício, ao menos em parte da trama, do vilão querer usar o sangue de Blade para seus planos. Mesmo assim, é uma ótima “estreia” de del Toro.

Veja o trailer:

“Hellboy” (2004) e “Hellboy: O Exército Dourado” (2008)

As adaptações do personagem demoníaco criado por Mike Mignola são alguns trabalhos do diretor mais reconhecidos até hoje. E não é por menos, já que as produções destacam o ponto mais forte do mexicano: sua direção de arte e o visual incrível que existe em suas obras. Tudo bem, o visual do herói no novo reboot, estrelado por David Harbour (da série “Stranger Things”), pode até ter um acabamento melhor, mas existe muito esmero na maquiagem e prótese que cobriu Ron Perlman. Este foi um dos fatores que deram bastante charme ao personagem, além, é claro, da própria atuação de Perlman, no que deve ser seu trabalho mais à vontade e bem aproveitado ao lado de del Toro.

Outros monstros, como Samael e as “fadas do dente”, são mais exemplos de como há textura no visual das criaturas, o que torna todo aquele universo mais crível e denso. A melhor prova disso é Abe Sapien, interpretado por Doug Jones, no que seria sua primeira colaboração ao lado do mexicano e que se repetiria em outras produções. Mesmo assim, a trama, em nenhum dos longas, não é tão chamativa e bem desenvolvida assim, além de terem problemas de ritmo.

Contudo, isso é contraposto com o universo apresentado, com uma pegada “MIB: Homens de Preto” (1997), que é bem apresentado; as cenas de ação que empolgam; o carisma existente nos personagens; o humor, que funciona; e o já citado visual. Mesmo após 10 anos do lançamento do segundo filme, a obra ainda merece ser revisitada.

Assista aos trailers dos filmes:

“O Labirinto do Fauno” (2006)

É impossível pensar em “O Labirinto do Fauno” sem recordar dessa incrível criatura aí de cima. Um dos projetos de maior destaque da carreira de del Toro, a trama se passa em 1944 na Espanha e acompanha a jovem Ofélia (Ivana Baquero, de “Demonios tu Ojos“) e sua mãe grávida, quando elas se mudam para o novo posto de exército do marido de sua mãe, um sádico oficial que está tentando reprimir uma guerrilheira. Tentando fugir do horror de seu padrasto e de sua nova moradia, Ofélia explora um antigo labirinto e acaba encontrando Fauno (Doug Jones), que diz que a menina é uma antiga princesa perdida de um reino mágico e que ela precisa completar três tarefas perigosas a fim de retornar à sua vida imortal.

Mais de uma década antes de “A Forma da Água”, del Toro mostrava sua capacidade de contar uma ótima fábula – ou conto de fadas. A jornada de Ofélia nos apresenta um mundo mágico repleto de seres chamativos e únicos, contrapondo com os horrores da guerra e da vida adulta. Aliás, o tempo dado de tela para cada uma das duas narrativas principais é bem distribuído, fazendo com que ambas se desenvolvam com um ótimo ritmo e, assim, a atenção do espectador não seja perdida. Sergi López (“Faces de uma Mulher“) dá vida ao vilão mais odioso e ameaçador  da filmografia de del Toro, o Capitão Vidal, e sua atuação ao lado da jovem Ivana Baquero ajudam a elevar a obra para uma das melhores da carreira do diretor mexicano.

Veja o trailer do longa:

“Círculo de Fogo” (2013)

Um dos maiores trabalhos do cineasta e, sem dúvidas, o mais empolgante. A trama do longa é bem simples: uma fenda surge no fundo do Oceano Pacífico, permitindo que monstros, chamados de Kaijus, venham até o continente e destruam tudo que está pela frente. Para contra-atacar, os humanos desenvolvem robôs gigantes, os Jaegers. Em um conflito cada vez mais desgastante, o duelo é intensificado e a batalha final entre os dois lados aproxima-se cada vez mais.

Do épico tema feito por Ramin Djawadi (da série “Game of Thrones“), que conta com a guitarra de Tom Morello, até as lutas entre robôs e monstros nas ruas de Hong Kong, são raros os momentos de “Pacific Rim” que não te fazem vibrar. O visual, tanto dos mechas como dos kaijus, é deslumbrante e carregado de texturas, com cada movimento e pancada entre eles tendo seu peso. Apesar das cenas noturnas, o 3D, surpreendentemente, não atrapalha a compreensão do que está acontecendo. O roteiro não se preocupa tanto no desenvolvimento dos personagens, mas as cenas de flashback com a jovem Mako (vivida por Mana Ashida) são tocantes e destacam o caráter de inocência nesses momentos, em que ela encara aterrorizada os monstros destruindo sua cidade. O longa cumpre sua proposta de entreter e terá uma sequência (infelizmente, sem a direção de del Toro), lançada em março deste ano.

Relembre o trailer da produção:

“A Colina Escarlate” (2015)

Focando no visual gótico, a trama de “A Colina Escarlate” acompanha a escritora Edith Cushing (Mia Wasikowksa, de “Alice Através do Espelho”), que enfrenta dificuldades, por ser mulher, para publicar seu novo livro. Durante sua trajetória, ela se apaixona por Sir Thomas Sharpe (Tom Hiddleston, de “Thor: Ragnarok”) e muda-se para uma sombria mansão no topo de uma colina. Além do marido, a casa é também habitada por sua cunhada, Lucille (Jessica Chastain, de “A Grande Jogada”). O lugar tem uma história macabra, e a sanidade de Edith é posta à prova quando seres do outro mundo começam a se manifestar.

O estilo gótico proposto por del Toro funciona muito bem na função de criar uma ambientação que seja apreensiva e tensa, proporcionando um ar de terror ainda mais forte à mansão. Como visto no resto de sua filmografia, a direção de arte é um primor, tanto no visual dos fantasmas como no dos cenários da obra e no vestuário dos personagens. A fotografia também merece destaque, uma vez que ela realça as cores, principalmente o vermelho, deixando-as mais vivas em meio a ambientes escuros e agonizantes.

Há tropeços no roteiro, uma vez que o primeiro ato se destoa um tanto do restante do longa (mal explorando o caráter de terror da trama), e também é falho em desenvolver os principais personagens da história, perdendo a chance de torná-los mais interessantes. Felizmente, o longa consegue se recuperar e nos leva a um clímax agitado, bem executado e satisfatório. A química entre Hiddleston e Chastain é dinâmica e capaz de prender a atenção do telespectador, o que destaca o trabalho dos atores.

Veja o trailer do longa:

Finalmente, os mais de 20 anos de cinema de Guillermo del Toro mostram um diretor com uma visão artística única para o tom e o visual de suas obras, além de um roteirista que, predominantemente, narra histórias fantásticas, onde terror, fantasia e humanidade se encontram e formam um belo resultado. E para você, qual o melhor longa do mexicano? Acredita que “A Forma da Água” tem tudo para ser seu melhor trabalho? Deixe sua opinião nos comentários!

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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