Cinema com Rapadura

Colunas   quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Um guia para A Torre Negra: O que é exatamente a maior obra de Stephen King?

Em meio a tantos elementos da história de um dos principais nomes da literatura fantástica/terror da atualidade, que tal conhecer um pouco do básico para começar a se aventurar nesta obra?

Belos dias e longas noites, fiéis leitores rapadurianos. Eis que a épica saga de Roland rumo à Torre Negra enfim ganha uma versão oficial ao cinema. Porém, o que exatamente é essa tal de Torre Negra? E quem diabos é Roland? E por que é tão importante que ele chegue à Torre (porque uma viagem que leva sete livros e cerca de 4 mil páginas, só pode ser muito importante, certo?)?

Para começar, é importante ter em mente que a série “A Torre Negra” é a magnum opus de Stephen King. Não por se tratar de sua mais longa narrativa, mas por ser a trama que conduz (quase) todo o restante dos livros do autor. É como se as histórias dos livros do King se passassem em alguns universos, sendo o Mundo Médio o local onde tudo se conecta. Mas então, o que seria o tal “Mundo Médio”?

Stephen King tem uma base literária formada pela influência de diversos escritores. Um dos autores que influencia muito sua narrativa é J.R.R. Tolkien e sua Terra Média. Dessa forma, o chamado Mundo Médio foi a forma que Stephen King pensou em deixar claro que estava tomando o conceito criado por Tolkien, sem necessariamente copiar. Porém seria muito reducionista afirmar que o cenário da obra é uma versão da Terra Média.

Há diversas influências, além de uma infinidade de criações próprias, que compõem o cenário principal. A mais relevante obra a ser citada é o poema “Childe Roland à Torre Negra Chegou” de Robert Browning. Mas esteticamente, talvez possamos imaginar que o Mundo Médio é o lugar onde a obra de Tolkien se encontra com a de Sérgio Leone. Talvez tenhamos assim um bom ponto de partida.

Os Livros

Desenvolvida ao longo de duas décadas, a história de como Roland chega à Torre Negra se inicia com uma simples frase:

“O Homem de Preto fugia pelo deserto, e o pistoleiro ia atrás”.

Dessa forma, acompanhamos ao longo do primeiro livro o início da construção do protagonista Roland, o último pistoleiro de Gilead (cidade onde ele nasceu).

E assim somos jogados em um universo que já existe, e como o próprio autor deixa claro, já seguiu adiante. Não trata-se da construção de uma mitologia. Nós apenas acompanhamos uma narrativa que acontece em um lugar já estabelecido. E dessa forma, Stephen King nos bombardeia com informações que em um primeiro momento parecem sem sentido. Algumas serão respondidas ainda no primeiro volume, e outras teremos que aguardar um pouco mais.

O que importa aqui é saber que há um pistoleiro e que ele precisa encontrar o tal Homem de Preto, um feiticeiro que assume diversos nomes (um deles sendo Walter). 

Os personagens

Walter não é exatamente um vilão, apesar de haver muita vilania nele. O Homem de Preto esteve envolvido com Roland há tempo demais. Ao mesmo tempo que quase foi um carrasco, ele serve como uma ponte. É um personagem que retorna no futuro da saga (assim como irá retornar no passado). Se parece confuso, é porque Stephen King quer deixar bem marcado que neste universo já aconteceram muitas coisas.

Além do Homem de Preto (ou Walter), vale citar Jake, um garoto que é encontrado por Roland no meio do nada e que assume um papel extremamente importante ainda no primeiro livro. Além de impulsionar o protagonista da série, Jake ajuda na construção do personagem principal da obra. Um acontecimento em especial nos faz compreender Roland e sua obsessão pela Torre.

Jake também está ali para nos dar uma pista de algo muito importante. Em determinado momento, ele diz a seguinte frase:

“Vá então. Há outros mundos além deste”.

Mas sobre esses “outros mundos” nós conversamos daqui a pouco.

Jake também serve para introduzir um dos principais conceitos criados por Stephen King para esta obra: o ka-tet. 

Ka significa algo próximo do destino de cada pessoa. Nessa mitologia, cada pessoa tem sua própria missão. A de Roland é chegar à Torre Negra. Ao mesmo tempo, outras pessoas têm cada uma seu próprio destino. Em alguns casos, os caminhos se cruzam e enquanto um grupo de pessoas está ligado pelo destino, elas formam um ka-tet. Esse grupo, por ter uma ligação tão forte, acaba conseguindo se conectar de alguma forma. Grosso modo, podemos comparar com o dom da iluminação, apresentado no livro “O Iluminado”.

A série também apresenta uma variedade enorme de criaturas e monstros. Cada um possui seu próprio propósito, muitas vezes não sendo nem bons ou maus. Esse conceito vai variar dependendo de quem interage com eles e como acontece esta interação. Dentre essas criaturas, podemos citar os Taheens. Também conhecidos como “O terceiro povo”, são criaturas meio humano, meio feras.

O lema dos pistoleiros

Existe um ritual pelo qual todo o pistoleiro deve passar durante o treinamento. Ao desafiar seu mestre e vencê-lo, o jovem está apto a ser considerado um pistoleiro no Mundo Médio. Roland compartilha seu passado aos poucos. E conforme ele revela mais informações, é possível perceber que aqueles dignos de viver como pistoleiros fazem parte de uma casta privilegiada e honrada.

Uma das lições que todo o pistoleiro aprende é como usar sua arma. E para isso ele recitam um lema:

“Eu não miro com a mão. Aquele que mira com a mão esqueceu o rosto do pai. Eu miro com o olho.

Eu não atiro com a mão. Aquele que atira com a mão esqueceu o rosto do pai. Eu atiro com a mente.

Eu não mato com a arma. Aquele que mata com a arma esqueceu o rosto do pai. Eu mato com o coração.”

Esse lema é uma forma de lembrar a cada pistoleiro a nunca errar um alvo. É o que os torna figuras lendárias e uma forma de esvaziar a mente e se concentrar no objetivo (ou no alvo).

Os Universos Paralelos de Stephen King

Já que citamos “O Iluminado”, é  importante lembrar que não estamos falando apenas da maior obra de Stephen King, mas também daquela que conecta todas as outras. Se lembra dos “outros mundos” citados anteriormente? Mesmo não havendo uma relação direta com alguns dos romances ou contos, é possível estabelecer paralelos. Alguns são confirmados com informações apresentadas nos livros, outras fazem parte das “teorias dos fãs”, mas nem por isso são menos prováveis.

Durante a construção da saga, King aproveitou elementos de seus trabalhos já publicados até então para fazerem parte de um multiverso próprio. E por mais que pareça gratuito em alguns momentos, está tudo bem amarrado e justificado. É dessa forma, por exemplo, que podemos ver personagens de “A Hora do Vampiro” surgirem no quinto livro, “Lobos de Calla”, podendo ser vistos como vilões ou heróis, dependendo da obra.

A mesma dinâmica acontece em outros dois livros, que não citam a Torre Negra diretamente, mas aproveitam o multiverso por ela criado para se justificarem. “Desespero” e “Os Justiceiros” são chamados de livros irmãos. Ambos foram lançados no mesmo dia, e contam “a mesma história”, mas em universos diferentes e a partir de pontos de vistas diferentes.

Mas para tornar a relação mais interessante, em “Lobo de Calla”, há um momento em que Jake está em Nova York e vê um exemplar de um livro de autoria de Claudia Inez Bachman. Trata-se da esposa fictícia de Richard Bachman, pseudônimo de Stephen King que foi utilizado para assinar alguns de seus livros, entre eles, “Os Justiceiros”.

Vale ainda a citação de “Insônia”, que nos apresenta o terrível Rei Rubro, um dos principais vilões criados por Stephen King, e a maior ameaça na saga da Torre Negra. Ele pode assumir algumas formas, sendo uma aranha a principal (o que também aparece em outros livros).

Em “Os Olhos do Dragão” e “A Dança da Morte”, temos a presença de Randall Flagg. Este personagem já foi chamado em outros momentos de Walter, assim como o Homem de Preto. Ele também é um dos aliados mais importantes do Rei Rubro.

Mas e a tal da Torre Negra?

Há uma espécie de ambiguidade no que diz respeito ao final da grande saga de Stephen King. Diversos fóruns debatem o que exatamente é a Torre Negra, ou como ela afeta os diversos mundos existentes. Em partes essa discussão tem um motivo.

Talvez Stephen King sofra com o final de um livro. Longos projetos criam laços entre obra e autor, por isso é comum eles terem um significado especial. E como você encerra algo que fez parte da sua vida por mais de 20 anos?

Dessa forma, Stephen King oferece um “pré-final” de sua obra. Ele para em um ponto que deveria bastar para qualquer um que acompanhou a narrativa por tanto tempo e tantas páginas. Não apenas para deixar feliz seu leitor, pois nem tudo acaba bem. Mas por se sentir satisfeito.

Porém, o autor sabe que existem aqueles que não se contentam com o “como aconteceu” e precisam saber enfim “o que aconteceu”. A estes (e a todos os curiosos que não conseguem se controlar) o autor dedica as páginas finais, porém não antes de deixar um alerta.

Dessa forma, confira você as palavras do próprio Stephen King sobre o final de sua mais importante saga. O trecho a seguir é uma citação direta do que antecede o derradeiro final. Para evitar um prolongamento desnecessário e eventuais spoilers, alguns trechos foram omitidos, porém sem tirar o real significado do que o autor quis dizer. Para esclarecimento, trechos com (…) foram retirados por espaço e trechos com […] foram retirados por spoilers.

“Levei minha história do início ao fim e estou satisfeito. Foi (…) cheia de monstros e maravilhas e viagens de um lado para o outro. Posso parar agora, pousar a caneta e repousar minha mão cansada (…). Posso fechar os olhos para o Mundo Médio (…). Mas sei que alguns de vocês,(…), provavelmente não pensam exatamente assim. (…). São as pessoas cruéis que negam os Portos Nevoentos, onde os personagens cansados vão para descansar. Dizem que querem saber como tudo acaba. Dizem que querem acompanhar Roland até […].

Espero  que  a  maioria  de  vocês  saibam  que  não  é  bem  assim. (…) . Espero que tenham vindo realmente ouvir a história, não apenas mastigar as páginas até o final. (…). Os finais, porém, não têm coração. Um final é uma porta fechada que nenhum homem […] consegue abrir. (…)

E assim, meu caro e Fiel Leitor, eu lhe digo o seguinte: você pode parar aqui. Pode deixar sua última memória ser […]. É um belo quadro, não é? Eu penso que sim. E também parece bastante perto do felizes para sempre. […]

Se você continuar, ficará certamente desapontado, talvez até de coração partido. Tenho uma chave guardada no meu cinto, mas tudo que ela abre é aquela porta final, […]. O que está por trás dela não vai melhorar a vida afetiva de ninguém (…).  Não  existe  essa  coisa  de  final  feliz. (…)

Os finais não têm coração.

O final é só outro nome para o adeus.

(…)

Ainda queres?

Muito bem, então vem. Aí está [..].

Olhe-a, eu te peço.“

Esse é um resumo do que há de essencial no universo da Torre Negra. Muito disso pode ser citado ou ignorado no filme. Mas nos livros está tudo relacionado. É um universo que se prende a cada novo livro lido. E nos apresenta um pouco do que há por dentro da cabeça de um dos maiores nomes da literatura contemporânea. Cabe a você, fiel leitor, decidir se pretende parar por aqui, ou seguir em frente. Assim como na Torre Negra, a responsabilidade pelo que irá encontrar é completamente sua.

Arte por Mikołaj Birek

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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