Cinema com Rapadura

Colunas   terça-feira, 25 de julho de 2017

A ascensão de Christopher Nolan: a filosofia, as escolhas e a reinvenção do blockbuster

O diretor entendeu as necessidades da indústria cinematográfica e sabe como ninguém usá-las ao seu favor. Mas ele é o nome certo para dirigir qualquer coisa?

Dono de uma carreira relativamente curta porém bastante sólida, arrecadação de US$ 4,2 bilhões e 26 indicações ao Oscar, Christopher Nolan beira o limiar da genialidade. Mas o responsável por “Cavaleiro das Trevas” e “A Origem” seria o nome ideal para qualquer grande produção?

O Cinema com Rapadura percorreu a história, os filmes e as temáticas abordadas pelo diretor e promete responder esse questionamento.

Primeiro Ato

Nascido em 30 de julho de 1970 em Londres, Christopher Nolan começou a fazer filmes desde os 7 anos. Seu primeiro longa, “Following” (1998), foi, segundo o próprio diretor, o “ápice do que se pode fazer com poucos recursos e com amigos”. Visivelmente influenciado por seu compatriota Alfred Hitchcock (“Psicose”), Nolan nos apresenta uma trama recheada de suspense e uma trilha sonora impactante, além de usar uma estrutura não linear de roteiro que acabaria se tornando comum em seus trabalhos. Mesmo com equipamento limitado e atores disponíveis apenas no fim de semana, o diretor nos entrega um filme excelente, embora seu primeiro grande sucesso ainda estivesse por vir.

Após vencer vários prêmios com sua primeira película, Nolan estava pronto para alçar voos mais altos. Dois anos mais tarde, o diretor teve a oportunidade de adaptar um conto escrito por seu irmão, Jonathan Nolan (co-criador da série “Westworld”), que acabou originando um dos filmes mais emblemáticos de sua obra. “Amnésia” (2002) foi, segundo Christopher, “de longe o maior salto” de sua carreira. Com um orçamento estimado em US$ 9 milhões, o diretor conseguiu duas indicações ao Oscar (Edição e Roteiro Original), quase US$ 40 milhões de arrecadação e aclamação da crítica mundial. Tudo isso abordando temas como obsessão e transtorno de memória envolvidos numa narrativa complexa porém brilhantemente executada e capaz de reverberar na mente do público por muito tempo.

A maneira de filmar mostrada em “Amnésia” já evidenciava como o diretor conseguiria atrelar uma visão autoral de conceitos científicos e filosóficos com personagens densos, tudo isso dentro de uma história bem contada capaz de entreter o grande público. Nolan antecipava a reinvenção do blockbuster.

Christopher Nolan é isso tudo?

Não há como negar que Christopher Nolan é um dos diretores mais referenciados e influentes de Hollywood. Mesmo não sendo sempre unanimidade entre o público, é consenso que seus trabalhos geram uma expectativa altíssima tanto na crítica quanto pela possível arrecadação impactante. A forma como Nolan trabalhou seus filmes impactaram Hollywood de uma maneira tão forte que os estúdios seguem apostando em nomes promissores com o objetivo de encontrar alguém equiparável ao diretor.

Essa necessidade pode ser justificada pela falta de bom material sendo trabalhado nos grandes circuitos. Qualquer longa que chame um pouco mais de atenção já é tratado como algo de outro mundo porque não existem tantos filmes impactantes no mercado. A eterna busca dos estúdios pela fórmula do lucro acaba cortando as asas de muitos diretores inovativos com ideias promissoras. Sem liberdade criativa, estes profissionais acabam se rendendo às empresas em busca de construir uma carreira sólida. Nolan não foi uma exceção a essa regra, embora tenha passado por uma brecha que poucos conseguem e manter uma veia autoral em seus “filmes de estúdio”.

A verdade é que a memória da cultura pop é muito curta, portanto qualquer filme capaz de marcar e repercutir anos após o lançamento será um sucesso garantido. O grande diferencial de Nolan foi entender perfeitamente essa necessidade da indústria e usá-la da melhor maneira ao seu favor.

Batman e O Grande Truque

Depois de trabalhar com um elenco de peso pela primeira vez em “Insônia” (2002), Nolan seguia trilhando rumo ao sucesso inquestionável. Fascinado pelo Homem-Morcego e suas histórias, o diretor procurou a Warner Bros. com a ideia de realizar um novo filme do Batman. Em vez de mais uma obra bem-humorada e boba como as lançadas nos anos 90, “Batman Begins” (2005) nos mostrou um protagonista profundo, psicologicamente instável, obcecado e defeituoso, realizando feitos em um espaço diegético totalmente crível. Foi revolucionário. Nolan fez o Morcego treinar com ninjas, lidar com o trauma da morte de seus pais e explorar com cautela o crime organizado de Gotham antes que pudesse vestir sua indumentária e dizer “eu sou o Batman”. A liberdade dada pelo estúdio a um diretor até então pouco conhecido foi responsável por gerar o super-herói mais realista retratado nos cinemas. Nolan mostrou que até uma propriedade intelectual cravada em pedra como o Batman pode ser reinventada aos olhos dele.

Com um orçamento de US$150 milhões, “Batman Begins” mais que dobrou o investimento em arrecadação (US$ 374 milhões), mostrando ao estúdio que investir em Christopher Nolan era garantia de retorno. Estava claro para a Warner que ele era o nome certo para trazer novas fitas do Batman para os cinemas. Mas antes que Nolan anunciasse a continuidade da franquia, ele dirigiu “O Grande Truque” (2006), sua declaração maior de amor ao cinema. É fabuloso como desde a primeira cena o diretor brinca com o público, explicando os três atos de uma mágica enquanto seu filme é construído exatamente sobre essa diretriz. E nessa brincadeira entre fazer mágica e fazer filmes, ele acaba construindo várias metáforas e autorreferências com sua maneira de gravar que facilmente este seria um filme bem recebido no cinema indie. Mas Nolan conseguiu ainda mais. Conseguiu indicações ao Oscar (Fotografia e Direção de Arte), arrecadou quase US$ 110 milhões com um orçamento de apenas US$ 40 milhões, conseguiu levar mais um filme obsessivo e complexo ao grande público.

Em julho de 2008, “O Cavaleiro das Trevas” estreou e quebrou recordes de bilheteria já no primeiro fim de semana. Passou a ser uma das maiores bilheterias da história do cinema americano. Recebeu uma avalanche de aclamação, incluindo o maior número de indicações ao Oscar para uma adaptação de quadrinhos (8). Ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão em arrecadação. É considerado por muitos um dos melhores filmes de todos os tempos, e o melhor filme sobre um super-herói. É a mais perfeita representação de um filme de Christopher Nolan: está situado no limiar entre o autoral e o comercial. Ele nunca precisou reinventar a roda para fazer o que fez. Manteve suas características de abordar personagens instáveis e assombrados pelas “cicatrizes do passado”, continuou mesclando ação com a temática noir realista de seus filmes, preservou o uso de efeitos práticos e poucas câmeras e sempre cuidou para que seus enredos sejam pretensiosos, porém acessíveis ao grande público.

Existe mesmo uma fórmula do sucesso?

Chegamos até aqui estabelecendo padrões que se repetem em toda a carreira de Christopher Nolan. Mas será que fazer um blockbuster como “Cavaleiro das Trevas” é, de fato, tão simples? Embora o segundo filme da “Trilogia Nolan” possa ser considerado seu ápice, nenhum longa retrata tão bem o jeito de fazer cinema do diretor como “A Origem” (2010).

Assim como boa parte de seus filmes, “A Origem” nos traz um conceito totalmente inovador: ladrões de sonhos. Embora tivesse desenvolvido várias páginas sobre a ideia desde 2001, Nolan sentiu a necessidade de mais experiências em filmes de grande orçamento antes de oferecer o roteiro à sua agora parceira, Warner. Novamente apostando suas fichas no diretor, o estúdio disponibilizou US$ 160 milhões para a produção de uma ficção científica mesclada a um filme de assalto. Não há dúvidas em dizer que Nolan é um dos poucos diretores da atualidade capazes de conseguir uma cifra dessas para um filme desse escopo. E será que ele consegue isso apenas por causa de sua carreira de sucesso? De forma alguma. A Warner tem plena ciência que o diretor é capaz de transformar até um gênero considerado por muitos “de nicho” em uma obra para o grande público.

E, de fato, foi um sucesso. O longa arrecadou US$ 825 milhões ao redor do mundo, um número assustador para o gênero. E ele conseguiu fazer esse filme mantendo um protagonista atormentado, de fácil identificação com o público; mantendo suas temáticas, trabalhando com a infinidade de possibilidades que o “inconsciente coletivo” permite e, mesmo assim, mostrando os sonhos como algo racional e palpável; mantendo a forma “mastigada” de inserir conceitos complexos – por vezes a maior crítica às suas obras; lembra das metáforas de “O Grande Truque” da mágica para o cinema? Até isso é possível observar em “A Origem”. A equipe de ladrões de sonhos lideradas (dirigidas) por Cobb (Leonardo DiCaprio, “O Regresso”) é uma grande referência ao time de profissionais necessários para fazer um filme. Temos o Armador (produtor), responsável por fazer com que tudo saia de acordo com os planos, a Arquiteta (roteirista), que cria os cenários, e o Falsificados (ator), capaz de assumir a forma de outras pessoas.

Perceba que Nolan é ao mesmo tempo surpreendente em suas abordagens, temáticas e conceitos, mas também mantém suas características únicas em seus trabalhos. Depois de toda essa reflexão e afim de evitar análises repetitivas em torno de “O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (2012) e “Interestelar” (2014), embora principalmente este último mereça um detalhamento minucioso de sua carga emocional e suas discussões científicas, partamos ao nosso questionamento inicial: Christopher Nolan é o nome perfeito para qualquer grande produção de Hollywood?

Grand Finale

Nessa tentativa simplória de parafrasear “O Grande Truque” e trabalhar este texto em três atos, chegamos ao The Prestige. E, diferente do final inconclusivo de “A Origem”, vamos buscar uma resposta concreta. Antes de tudo devemos ponderar que Nolan não é um diretor preso aos gêneros, mas sim um diretor focado em ideias. Ele mostrou que consegue fazer com que filmes de assalto, quadrinhos, ficção científica, dramas ou suspenses sejam reinventados pela sua visão única, capaz de tornar qualquer um desses um sucesso.

Temos um diretor apaixonado por cinema e que faz questão de mostrar isso em suas películas. Alguém que venceu a barreira dos grandes estúdios e é capaz de chegar com uma boa ideia e sair com vários milhões de dólares de patrocínio. Talvez ele não seja comparável a um Hitchcock ou a um Kubrick (“2001”) ainda, mas sua ascensão meteórica, sua mente criativa, seu futuro e seu jeito único de fazer cinema já estão bem cravados na história da sétima arte. Dito isso, não só é possível que Nolan possa dirigir qualquer obra que tenha por objetivo marcar a cinematografia mundial, como é desejo de boa parte de seus fãs ver o diretor passear pela cultura pop à sua maneira, tal qual fez Quentin Tarantino (“Os Oito Odiados”) de forma genial.

Devemos reconhecer que algumas temáticas não são muito a cara do diretor. O que dizer de Christopher Nolan dirigindo uma comédia pastelão? Ou um filme de dança? Convenhamos que depois de tudo que foi posto anteriormente, seria estranho um protagonista obsessivo por fazer as pessoas rirem (ou será que não?). Por outro lado, muitos anseiam para que Nolan leve às telonas sua visão de um filme de horror, uma distopia, um faroeste… Gêneros em que poderia abordar temas como a psique humana das mais variadas formas. Ele inclusive já revelou interesse de dirigir um filme de James Bond, que seria mais um mote na sua carreira – espionagem. A verdade é que todos nós, amantes do cinema, aguardamos, sempre com expectativa altíssima, os próximos trabalhos deste expoente dessa (não tão) nova geração de diretores de Hollywood.

O próximo e aguardado trabalho de Christopher Nolan, “Dunkirk”, estreia nesta quinta-feira (27). A expectativa para ver sua visão de um fato tão grandioso quanto o Milagre de Dunquerque e a para a possibilidade de construir algo tão imersivo e intenso através das tecnologias atuais está nas alturas! Por isso nós queremos saber de você. Concorda com tudo o que foi apresentado? O que você espera de Nolan em um filme de guerra? Tem algum outro filme ou gênero que deseja vê-lo dirigindo? Deixe um comentário para nós!

Martinho Neto
@omeninomartinho

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