Cinema com Rapadura

Colunas   terça-feira, 04 de julho de 2017

Homem-Aranha através das décadas: relembrando as versões do Amigo da Vizinhança no cinema

Que tal fazer uma viagem pelas diversas encarnações do Teioso?

Finalmente aconteceu: o Homem-Aranha voltou para a Marvel! Ok, não exatamente: o retorno do Teioso saiu em uma negociação com a Sony que resultou no empréstimo dos direitos sobre o personagem para que este aparecesse em “Capitão América: Guerra Civil“, e tivesse um filme solo no Universo Cinematográfico Marvel (MCU, em inglês).

Com a inundação de notícias e uma expectativa alta para o filme que estreia essa semana, é fácil perder de vista a importância e sucessos (e, por que não?, fracassos) dos cinco filmes que antecederam “Homem-Aranha: De Volta ao Lar“. Com 15 anos e um faturamento de 3,9 bilhões de dólares, a franquia “Homem-Aranha” é a décima-primeira mais rentável da história do cinema, e nesta coluna o Cinema Com Rapadura se dedica a dar uma olhada no retrospecto do Amigo da Vizinhança no cinema.

Década de 70

Não, Tobey Maguire não foi o primeiro a vestir o uniforme do herói da Marvel em um longa-metragem. O piloto da série do Homem-Aranha, intitulado somente “Spider-Man“, foi lançado nos Estados Unidos na CBS em formato de filme, em 1977, e foi para as telonas internacionalmente. Estrelando Nicholas Hammond (“A Noviça Rebelde“), o filme trazia a já exaustivamente conhecida história de como Peter Parker foi mordido por uma aranha radioativa e resolveu proteger sua cidade de ameaças poderosas em Nova Iorque. Embora bem recebida pela audiência, a CBS acabou cancelando a série por ter um excesso de programação de super-heróis em sua grade. Assim como foi feito com o piloto, a CBS lançou outros episódios combinados em forma de longa-metragem, e foi assim que “Spider-Man Strikes Back“, em 1978, e “Spider-Man: The Dragon’s Challenge“, em 1981, ganharam as telas.

Que belo visu.

Enquanto o primeiro filme estava mais próximo das histórias das HQs, suas continuações acabaram se afastando largamente do material de origem, sendo tão assistido quanto criticado pelos fãs (porque algumas coisas nunca mudam). Curiosamente, essa não foi a versão mais famosa do Homem-Aranha a ganhar os cinemas na década de 70, caro e chocado leitor. Ainda em 1978, “Supaidāman” – mais conhecido como “aquele Homem-Aranha japonês” – foi às telonas, sendo um spin-off da série de TV do Cabeça de Teia que passava no Japão à época. Com apenas 24 minutos, o episódio-passado-no-cinema permitiu que um público ainda mais diverso tivesse acesso ao personagem, além de garantir o lugar dele nessa retrospectiva batuta.

Década de 2000: Sam Raimi

Foi quase um quarto de século até termos outro filme (se realmente considerarmos os anteriores) do Amigo da Vizinhança nos cinemas. Especialmente para você se sentir velho, quero lembrar que o primeiro “Homem-Aranha” de Sam Raimi (“Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio“, também conhecido pelo nome menos bizarro de “The Evil Dead“) estreou há 15 anos, em 2002. Naquela época, o mundo começava a experimentar uma nova onda de super-heróis depois do lamaçal que foram os longas baseados em quadrinhos nos anos 90. Saindo do meio de “Batman & Robin“, “Steel – O Homem de Aço” e aberrações semelhantes, “X-Men”, lançado em 2000, iniciou um novo movimento para as adaptações heroicas: menos valor camp – esse brega proposital, ou não – e alto investimento, visando alcançar um público maior em formato blockbuster.

Homem-Aranha” não só surfou essa onda muito bem, obrigado, como ajudou a estabelecê-la ao longo da década de 2000. Em meio às Spice Girls e Backstreet Boys, Tobey Maguire assumiu o papel de Peter Parker/Homem-Aranha em sua jornada para transformar a tragédia da morte de seu tio Ben em razão para seus atos heroicos, enquanto também tenta se aproximar e conquistar sua amada vizinha, Mary-Jane Watson (Kirsten Dunst, “Estrelas Além do Tempo“). O Peter Parker de Maguire entraria para o cânone do personagem como uma versão ainda mais passiva e – convenhamos – trouxa do que o esperado pelos fãs. Se por um lado muitos conseguiram se identificar com a simplicidade e timidez do personagem, os críticos mais vocais sobre o filme acusam o fato de que falta ao Aranha de Maguire o bom humor e brilhantismo característicos do personagem nas HQs; isso resultou, inclusive, no fato do herói disparar teia orgânica no filme, ao contrário do disparador de teia utilizado nas HQs.

Se por um lado faltou piadas, por outro tivemos muitas cenas clássicas. A primeira vez que Peter se encara no espelho após sua transformação, o resgate de Mary-Jane durante o ataque do Duende Verde/Norman Osborn (Willem Dafoe, “A Grande Muralha“) e, principalmente, o beijo de cabeça para baixo, na chuva, são imagens que ficaram gravadas no imaginário da cultura pop.

Entre amores e desafetos, “Homem-Aranha” entrou para a história por ser o primeiro filme a bater 100 milhões de dólares em bilheteria no seu final de semana de estreia – mesmo reajustando os clássicos sucessos à inflação. Com Raimi ainda à frente, a Sony lançaria em 2004 a sequência “Homem-Aranha 2“, tido por muitos como um dos melhores filmes de super-herói de todos os tempos. Aqui, Peter Parker precisava enfrentar a ideia de continuar sendo Homem-Aranha, mesmo que isso significasse a perda de tudo o que mais amava, enquanto combatia seu mentor, o doutor Otto Octavius, transformado no vilão Doutor Octopus depois da perda de sua esposa e um acidente envolvendo uma invenção.

Com o personagem já bem estabelecido junto ao público, Raimi trabalhou com várias tratativas de roteiro para chegar no ponto que queria: o conflito interno ao qual Parker estava submetido, ao não conseguir se decidir entre abraçar sua persona heroica ou se resignar à sua vida mundana com sua amada Mary-Jane. Aliado ao tema claro e bem trabalhado no protagonista, Alfred Molina (“Uma Repórter em Apuros“) entregou um Doutor Octopus brilhante, complexo e comedido, sem cair na fácil armadilha de se tornar uma caricatura de si mesmo. Aclamado pelo público, “Homem-Aranha 2” foi um sucesso absoluto, abrindo a porta para “Homem-Aranha 3” antes mesmo de ser lançado – tendo sido esse, talvez, seu maior pecado.

É complicado explicar – ou mesmo compreender – a existência de “Homem-Aranha 3“, de 2007, da forma que ele saiu. Comparado aos dois filmes anteriores, o terceiro filme da trilogia parece uma paródia de si mesmo, com diversas cenas demonstrando a capacidade dançarina de Peter Parker depois que esse é fundido ao simbionte Venom, e, além de ganhar um distinto senso de moda e um penteado com gel demais, também desenvolve um temperamento mais agressivo. Com vilões demais, história de menos e, no geral, um nível inferior aos filmes anteriores, o longa ainda faturou quase 900 milhões de dólares. A obra acabou por entrar para a história do personagem como “aquele que o Peter Parker é emo” – uma visão que, embora real, acaba por dar pouco crédito para o fato de que o filme foi uma sensação à época e que, apesar destes poréns, ainda contou com boas cenas de ação.

Dentre acusações de interferências demais do produtor, Avi Arad, na produção da história, falta de roteiros atraentes e uma agenda apertada demais, Sam Raimi abandonou a franquia a longos dez anos atrás, dando passagem para um remake e nova visão do personagem para uma nova década.

Década de 2010: Marc Webb

Estamos em 2012, e “O Espetacular Homem-Aranha” chega aos cinemas. Contando com o empolgado Andrew Garfield (“Até o Último Homem”) como Peter Parker/Homem-Aranha e a adorável Emma Stone (“La La Land – Cantando Estações“) como Gwen Stacy, o reboot já nasceu sob a imensa pressão de ser um sucesso tão grande quanto seus antecessores – o que seria um feito, por definição, irrealizável, visto que não é possível haver um pioneiro sucedendo outro. Claramente mirando os millennials, o Peter de Garfield é virtualmente o exato oposto daquele representado por Maguire; bacana, skatista-fã-de-Coldplay e piadista, este Homem-Aranha foi odiado e amado basicamente pelos mesmos motivos: seu Peter Parker era descolado demais.

Além disso, a direção de Marc Webb (“500 Dias com Ela“) deixava óbvio gostar mais de tratar do romance entre Peter e Gwen do que da vida de Parker como Homem-Aranha. Em meio ao incômodo de termos que ver tio Ben morrer de novo e todo o resto da criação do herói pela segunda vez em dez anos, os prós e contras do filme se empilhavam: se por um lado o Homem-Aranha finalmente disparava piadas com suas teias, o vilão Lagarto era irritantemente unidimensional; se tínhamos uma química excelente entre Parker e Stacy, também tínhamos uma subtrama irrelevante sobre os pais de Peter. Se o slogan do filme era sobre conhecermos “a história nunca contada”, só conseguíamos responder que ela “nunca” fora contada por uma razão: ninguém se importava.

“A história nunca contada”. Aham.

Mesmo sendo o filme com menor bilheteria da franquia até então, “O Espetacular Homem-Aranha” foi bem o suficiente para garantir uma nova sequência, também criativamente chamada de “O Espetacular Homem-Aranha 2“. Na sequência, Peter Parker demonstrava sua dificuldade em manter a promessa que fizera ao Capitão Stacy de se manter afastado de Gwen – o que obviamente indicava um final nada feliz para a personagem. Adaptando o arco dos quadrinhos “A Noite Em Que Gwen Stacy Morreu”, o longa trouxe uma proposta ousada e uma quebra relevante em relação aos filmes anteriores.

Entre muitas cenas de romance entre Parker e Stacy e vilões mal-caracterizados – principalmente Electro (Jamie Foxx, “Em Ritmo de Fuga“) -, “O Espetacular Homem-Aranha 2” teve um desempenho abaixo do esperado nas bilheterias, enfraquecendo misericordiosamente os ambiciosos planos da Sony de criar um universo compartilhado em volta do Teioso; os filmes planejados para o Sexteto Sinistro, Gata Negra e Venom foram engavetados após o resultado do filme.

Futuro da Franquia

Citado em “Homem-Formiga“, de 2015, e aparecendo em toda sua glória sarcástica, retornando à sua casa, o Amigo da Vizinhança agora convive com outros personagens da Marvel em “Homem-Aranha: De Volta ao Lar“, mas seu futuro não será limitado pelo MCU. O filme nem estreou e sua sequência já está agendada para estreia em 5 de julho de 2019, com mais filmes cobrindo os anos restantes de Peter Parker no colégio; o ator Tom Holland, inclusive, confirmou que havia fechado contrato para três aparições no Universo Cinematográfico da Marvel e três filmes solo do herói.

Além disso, o longa do Venom, antes arquivado, ganhou novo fôlego, contratando Tom Hardy (“O Regresso“) para viver Eddie Brock/Venom, um anti-herói, como foi nas HQs nos últimos anos. Como já esclarecido pela produtora da Sony Amy Pascal e pelo presidente da Marvel Studios Kevin Feige, o filme do Venom, assim como os outros projetos da Sony envolvendo personagens da Marvel Comics, não fazem parte do Universo Cinematográfico da Marvel. Resta entender como será a participação do Homem-Aranha nos dois mundos, já que ele é um personagem compartilhado pelos dois.

Enquanto não temos novidades nesse front, esperamos ansiosos o novo filme, para acompanharmos este novo capítulo na história de um dos personagens mais amados e inspiradores da cultura pop. Da CBS ao Japão e ao longo dos últimos 15 anos de sucessos e dúvidas, uma certeza podemos ter: o Homem-Aranha está, finalmente, de volta ao seu lar.

Erik Avilez
@eriksemc_

Compartilhe


Conteúdos Relacionados