Cinema com Rapadura

Colunas   sexta-feira, 06 de janeiro de 2017

Harry & Sally – ou para um novo ano no Ano Novo

O que Harry, Sally e várias comédias românticas têm a nos dizer sobre deixar para trás o ano que passou.

Reassistindo a “(500) Dias Com Ela“, de 2009, é notável como, dentre os muitos erros que o protagonista, Tom, comete, um dos principais é não ter visto “Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro“. Enquanto tentava segurar e reter Summer, impedindo-a de escapar por entre seus dedos, Tom deixou passar o fato de que fins são inevitáveis, mas que são males necessários para que novos começos possam brotar – e às vezes de lugares inesperados. Em outro ponto do mesmo espectro, em 1989, Harry e Sally nos explicaram didaticamente que alguns eventos simplesmente não vão acontecer em nossas vidas – pelo menos não da forma e no momento que imaginávamos. À medida que entramos em 2017, é um exercício interessante pensar quais fins precisamos aceitar para que possamos começar um novo ano no Ano Novo.

Harry e Sally se conheceram pela primeira vez em 1977, sob os hormônios e duras ideologias do tempo de faculdade. Intransigentes e irascíveis, o relacionamento não evolui de forma alguma – em grande parte porque Harry (Billy Crystal, “Uma Família em Apuros“) está namorando a amiga de Sally (a apaixonante Meg Ryan, de “Mensagem Para Você” e “Cidade dos Anjos“). Cinco anos se passam e, em uma reunião fortuita… Eles continuam não indo muito um com a cara do outro.

Muitos são os encontros, e diversas as fases da vida em que Harry e Sally se esbarram sem que nada aconteça, e que nem mesmo a amizade deles seja possível. É dessas ocorrências que notamos que, para que relacionamentos funcionem, sejam eles de qualquer natureza, é necessário uma sensibilidade ao tempo preciso para que ele se inicie.

Muitos personagens demonstraram isso ao ter de esperar para conseguir o timing ideal. Não foi no “Diário de Bridget Jones” e nem mesmo em “Bridget Jones – No Limite da Razão” que a personagem-título conseguiu ficar com o projeto de lorde inglês Mark Darcy, e, de Darcy a Darcy, não foi de cara que Elizabeth Bennet se interessou pelo Sr. Darcy em “Orgulho e Preconceito“. Da mesma forma, Ben Stiller passou por essa lição do tempo ideal duas vezes: a primeira com Cameron Diaz, em “Quem Vai Ficar com Mary?”, e mais tarde com Jennifer Aniston em “Quero Ficar com Polly“.

E isto obviamente não se refere somente a relacionamentos, como demonstrado em diversas películas que abordam a necessidade da persistência para se alcançar o sucesso no momento oportuno – como vimos em “À Procura da Felicidade” e “Whiplash – Em Busca da Perfeição“, por exemplo.

O ponto principal, no entanto, é que da mesma forma que projetos e relacionamentos florescem no tempo devido, muitas vezes o seu fim também tem um momento determinado. Rhett Butler e Scarlett O’Hara passaram muitos anos entre se amarem e se odiarem, até que no fim Butler já não se importava mais; o amor deles já havia secado, “…E o Vento Levou“; da mesma forma, apesar de seus esforços, Julianne não estava no altar em “O Casamento do Meu Melhor Amigo“, e nem mesmo George Clooney escapou da dura realidade do fim em “Amor Sem Escalas” (em um dos finais mais revoltantes da história das comédias românticas).

Ainda assim, dentre todos estes exemplos, talvez o de “Casablanca” seja o mais significativo para nós. Enquanto a mulher que entrou no seu bar, entre todos os outros bares do mundo, partia para ser feliz com outro homem, Rick vislumbrou na partida de seu grande amor o começo de uma bela amizade.

Este é o ponto que tantas vezes perdemos: não aceitar um fim não o torna menos real, só nos torna menos capazes de abraçarmos e aproveitarmos um novo começo.

E é aí que voltamos para o fato de que o menino Tom, em seus quinhentos dias com a Summer, jamais assistiu “Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro“. Embora ao final ele encontre Autumn, sua próxima estação, todo o sofrimento e desconforto pelo qual passou poderia ter sido diminuído se ele tomasse o clichê do “dê tempo ao tempo” e o enxergasse de maneira mais prática, como na forma em que Harry e Sally se relacionam; muitos anos depois da primeira vez que se viram, eles somente se encontraram no momento certo em uma festa de Ano Novo, prontos para finalmente se conhecerem como sempre quiseram.

2017 faz agora como todos os anos novos fazem conosco: nos vislumbra as possibilidades e as chances de conquistarmos tudo aquilo que temos buscado em nossa vida. No entanto, enquanto estivermos apegados à fins intermináveis, todas estas probabilidades continuarão sendo apenas estatísticas que jamais conseguiremos trazer à realidade. Para citar uma última comédia romântica, no filme “Amizade Colorida” a banda Supersonic traz na música “Closing Time” a síntese deste pensamento, ao cantar que “cada novo começo vem do fim de outro começo”.

Assim sendo, que sejamos capazes de encerrar 2016 e todos os anos anteriores de fato em nós, para que os novos começos de 2017 sejam reais, e não somente expectativas pairando sobre calendários antigos.

Erik Avilez
@eriksemc_

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